A exposição em homenagem aos 50 anos do Pink Floyd em Londres é um sonho para todo fã do grupo
Alexandre Matias
03/08/2017 11h13
O mesmo museu que mergulhou na vida e obra de David Bowie na excelente exposição David Bowie Is em 2013 agora convida para uma viagem pela carreira de uma das bandas mais influentes da cultura contemporânea. A exposição Their Mortal Remains, organizada pelo museu londrino Victoria & Albert ao lado dos três remanescentes do grupo (David Gilmour, Nick Mason e Roger Waters), disseca 50 anos de carreira do Pink Floyd em várias dimensões, levando em consideração todo o impacto cultural – e não apenas musical – exercido pelo grupo desde seus primeiros anos. Em uma visita que durou algumas horas, fui transportado para um documentário cronológico sobre a história da banda em que os principais artefatos de sua existência eram exibidos um a um.
Um dos grandes trunfos de Their Mortal Remains é a forma como os fones de ouvido distribuídos à entrada ajudam na imersão na exposição. Como são aparelhos sensíveis aos movimentos, eles sintonizam músicas do grupo de acordo com a parte do museu em que você está, além de se conectarem automaticamente ao som de monitores de TV que exibem entrevistas com os integrantes do grupo e seus contemporâneos quando chegamos a poucos metros de distância. É um recurso incrível, que torna o didatismo da exposição ainda mais intenso.
A mostra começa com o tom psicodélico do início da carreira do grupo. A opção por contar a história a partir do momento em que a banda assume o nome que a tornou famosa elimina da história os anos de formação do grupo, quando, altamente influenciado pelo rhythm'n'blues norte-americano, teve encarnações com nomes como Sigma 6, The Meggadeaths, The Abdabs, The Screaming Abdabs, Leonard's Lodgers, The Spectrum Five e Tea Set. Mas ao definir o ano de 1967 como ponto de partida, a exposição acerta ao mostrar o momento em que o grupo também começa a se preocupar com o impacto visual de suas apresentações. Liderado pelo ícone da psicodelia londrina, Syd Barrett, o Pink Floyd mostra-se extramusical desde seus primeiros registros fonográficos.
Outra opção curiosa da exposição é usar cabines telefônicas como marcos temporais. A cada início de década, surge uma cabine telefônica inglesa típica, com recortes de jornais da época e caracterizada com cores e desenhos do período que demarca.
Entrada da exposição The Pink Floyd Exhibition: Their Mortal Remains no Victoria and Albert Museum, em Londres
Carta que Roger Waters escreveu para os pais logo na primeira ida do grupo para Londres, em 1967 (na foto, a van com uma listra branca que ele desenha na carta)
A cada vitrine nos deparamos com itens pessoais de cada um dos integrantes do Pink Floyd, desde diários escritos à mão a cartas enviadas para os pais contando os primeiros dias como músicos profissionais, além de peças de roupas, equipamentos e instrumentos musicais. Na primeira fase da exposição, cada fase é definida em um disco e cada disco funciona como uma vitrine exibindo itens pessoais do grupo ao mesmo tempo em que contam suas histórias.
Vitrine com as influências musicais do grupo no inicio, Elvis Presley e velhos blueseiros norte-americanos
Vitrine relativa à primeira fase do grupo, com as guitarras personalizadas por Syd Barrett e os singles lançados antes do primeiro álbum
Um dos primeiros aparelhos a tornar o show do Pink Floyd fora do comum, este refletor permitia a projeção de slides sobre a banda, no meio da imagem, as lentes utilizadas para tirar a foto da banda na capa de seu primeiro disco
Apetrechos cênicos que o grupo começou a usar no palco – a flor espelhada entre 1973 e 1975 e os aviões do período de transição na virada dos anos 60 para os 70. A bicicleta é a que Syd tinha aos 9 anos de idade.
Pôsteres, equipamentos e roupas do grupo em sua fase psicodélica. Abaixo, o clássico Azimuth Co-ordinator, aparelho com o qual o grupo conseguia fazer efeitos utilizando o som quadrafônico de algumas casas de show
Mais uma vez a bicicleta laranja que Syd Barrett tinha aos 9 anos de idade, inspiração para a música "Bike", que encerra o primeiro disco da banda
Nesta primeira fase o que impressionam são os instrumentos modificados por Syd Barrett, bem como suas próprias pinturas, os teclados analógicos de Rick Wright, fotos alternativas de capas de discos e outras relíquias, como a bicicleta que Syd Barrett tinha aos nove anos de idade. A cada vitrine a exposição vai mostrando como o grupo superou a saída do líder, como a entrada de David Gilmour aos poucos foi mexendo no som da banda, abrindo espaço para viagens instrumentais que favoreciam a cozinha formada pelo baixista Roger Waters e o baterista Nick Mason.
Mais artefatos da era Dark Side – as moedas à esquerdas foram costuradas como um chocalho para a introdução da música "Money"
A exposição muda de tom a partir do mítico Dark Side of the Moon, o disco de 1973 que eternizou a importância do grupo e os transformou em popstars de primeira grandeza. A parte da exposição dedicada ao disco inclui desde rascunhos da capa do disco a instrumentos pouco convencionais usados em sua gravação (como o chocalho de moedas tocado em "Money") até um holograma em 3D com a capa do disco girando ao som de "The Great Gig in the Sky". A parte seguinte à do disco mostra como o grupo se aventurava no estúdio e usa um recurso simples e genial para mostrar como o grupo produzia seus discos, a espalhar pequenas mesas de som onde é possível manipular os canais da música "Money" ouvindo os instrumentos separadamente.
Em uma das melhores partes interativas da exposição, o público pode ouvir as faixas separadas de todos os instrumentos na faixa "Money", isolando, à sua escolha, bateria, sax, vocais, duas guitarras, baixo e efeitos sonoros
A partir daí há uma parte inteira da exposição dedicadas a equipamentos e instrumentos musicais, mostrando peças que foram partes importantes tanto na criação dos discos quanto na divulgação em turnês.
Um dos primeiros sintetizadores, instrumentos que o Pink Floyd abraçava logo que eram lançados, utilizando-os em suas aventuras sonoras
A exposição retorna ao ritmo dos discos a partir de Wish You Were Here, de 1975, e também vai mostrando como o Pink Floyd foi crescendo para se tornar um dos maiores nomes do showbusiness. O uso de telão e de infláveis no show, novidades inventadas pela banda, aliam-se aos temas cada vez mais polêmicos e controversos do grupo, culminando com o épico egotrip The Wall, de 1979. Neste período o grupo alcance uma escala que o torna um dos maiores nomes da história do pop moderno até hoje.
Polaróide da visita de Syd Barrett ao estúdio da banda, em 1975. Gordo, careca e com as sobrancelhas raspadas, ele estava irreconhecível.
Réplica da camiseta do grupo usada por Johnny Rotten, dos Sex Pistols, com a frase "I Hate" ("eu odeio") escrita sobreo nome da banda.
O recorte original das letras de revistas e jornais que serviram de base para a capa do primeiro disco dos Sex Pistols
A punição física ainda era utilizada como método pedagógico na Inglaterra depois da Segunda Guerra Mundial e esta bengala foi responsável por surras em Roger Waters e Syd Barrett, ainda crianças, o que fez o primeiro a escrever uma ode contra o sistema educacional inglês no disco The Wall
Réplica do quarto de hotel Tropicana, utilizado como cenário no trecho do show em que o grupo cita a letra que batiza a exposição, "Nobody Home"
Farda fascista que Roger Waters utilizava durante a turnê do disco The Wall. Esta versão é a do show que ele fez em Berlim após a queda do muro.
Embora Roger Waters tenha desfeito o grupo no início dos anos 80 e David Gilmour, ao lado de Mason e Wright, tenham conseguido seguir com o nome do grupo, a discografia a partir dos anos 80 segue sendo detalhada mas, naturalmente, sem a importância das fases anteriores. A exposição termina com o disco The Endless River, de 2014, feito com sobras de gravações do disco The Division Bell, lançado duas décadas antes. E embora o fim seja melancólico – principalmente ao nos depararmos com a enorme loja de souvenirs do grupo e do museu -, a exposição é um sonho para todo fã do grupo. Ela fica em cartaz em Londres até o início de outubro (mais informações no site do museu) e seus organizadores tem a intenção de fazer que ela viaje pelo mundo. Vamos torcer para, que como a de David Bowie, ela também venha para o Brasil.
Sobre o Autor
Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.
Sobre o Blog
A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.