Se prepare: tudo que a Marvel fez até "Guerra Civil" era só rascunho
Alexandre Matias
25/04/2016 16h00
Estamos vivendo numa época em que os grandes produtos da cultura pop quase sempre acertam exatamente onde devem acertar. As melhores séries de TV, filmes, quadrinhos, livros, discos e videogames deste início de século têm construído narrativas épicas e universos complexos que tiram o fôlego só por sua envergadura e a expectativa é quase sempre – milimetricamente – alcançada. E é impossível ignorar o feito do estúdio Marvel nos últimos 10 anos ao erguer seu império no cinema. Mais do que lançar filmes, a versão cinematográfica da editora de quadrinhos é um meticuloso castelo de cartas erguido com grandes nomes de seu universo. Personagens menores ganharam um protagonismo inesperado e o sucesso de cada um dos doze filmes que o estúdio lançou até 2015, quando encerrou seu segundo capítulo no cinema, é apenas o resultado de uma estratégia genial que combina marketing, exercício de narrativas, carisma e muito planejamento.
E aí vem Capitão América: Guerra Civil e muda as regras do jogo. Esqueça aquilo que você está esperando ver. Neste décimo terceiro filme da Marvel, o estúdio resolve aumentar a exigência em si mesmo, tornando mais difícil o trabalho para os super-heróis concorrentes. O novo filme não apenas faz como os anteriores: ele supera as expectativas nos mostrando o universo Marvel com outros olhos, com um frescor inacreditável, ao mesmo tempo em que começa a provocar uma discussão mais adulta que mexe levemente no humor da saga sem deixar tudo sombrio. Logo após os gifs comento o filme com poucos spoilers, mas se você não quiser saber nada, embace a vista e volte depois que assistir ao filme, que estreia esta semana no Brasil.
Para começar, Guerra Civil não é exatamente um Vingadores 2 e 1/2, como a escalação de diversos heróis fez parecer. Há sim a incrível cena em que os times do Capitão América e do Homem de Ferro se enfrentam, mas ela não é o grande momento do filme. É uma cena de tirar o fôlego, o sonho materializado de todo mundo que cresceu lendo os gibis da Marvel, o confronto épico entre super-heróis que toda criança realizou com seus brinquedos. Mas não é nem a conclusão da história, nem seu maior momento, nem sua grande surpresa. É tudo o que a Marvel poderia ter feito em Vingadores: A Era de Ultron, mas preferiu repetir a fórmula para gastá-la de ver, guardando este grande momento com inúmeros super-heróis para o terceiro filme do Capitão América.
Porque não custa lembrar disso: é um filme do Capitão América. É a conclusão da trilogia iniciada em Capitão América: O Primeiro Vingador, de 2011, quando Steve Rogers nos foi apresentado como um herói de época. Na continuação deste, Capitão América: Soldado Invernal, de 2014, vemos este herói se situando em uma nova era ao mesmo tempo em que os irmãos Joe e Anthony Russo entregavam o melhor filme da Marvel. Os dois repetem o feito ao segurar as rédeas deste terceiro volume sobre o velho capitão, que ao mesmo tempo em que amplia seu dilema moral sobre o fato de pertencer a outra época também aprofunda-se nos próprios sentimentos. Não por acaso Chris Evans, o ator que vive o herói, tem um tapete estendido para sua melhor atuação.
O Homem de Ferro de Robert Downey Jr. também tem grandes momentos, principalmente por parecer está despedindo-se do personagem. A premissa básica do filme está diretamente ligada à adolescência de Tony Stark e por isso ele é o único herói que se envolve diretamente na trama central do protagonista, funcionando como contraponto para a ausência de um vilão mais forte. O Barão Zemo vivido por Daniel Bruhl é apenas apresentado como arquiteto da trama principal, mas não tem seu grande confronto contra ninguém e apenas deixa que o filme termine com o duelo entre Steve Rogers e Tony Stark, que vai crescendo em diálogos cada vez menos engraçadinhos à medida em que o filme anda.
Todos os outros heróis também têm seus grandes momentos, uns mais humanizados que outros, uns mais pesados que outros, e assim a Marvel vai mostrando a cara de sua nova fase. Não é necessariamente um universo mais sombrio e opressor como os sinais dados pelas séries em parceria com o Netflix davam a entender. O novo filme aproxima o universo Marvel da realidade, deixando-o menos infantilizado e mais adulto. Mas isso não quer dizer que o tom seja sério e que não há espaço para o humor – muito pelo contrário. O humor agora não é feito mais para rir e sim para aliviar as cenas de tensão e de ação, dividindo a audiência do filme entre a apreensão calada e a comemoração sorridente. Cenas como a do Visão falando sobre comida, a do Homem Formiga conhecendo os outros heróis ou as piadinhas do Gavião Arqueiro ajudam a quebrar o gelo ao mesmo tempo em que mostram uma outra forma de encarar os super-heróis.
Mas nada pode nos preparar para o Homem-Aranha.
A entrada de Peter Parker (vivido pelo moleque Tom Holland) no Universo Cinematográfico Marvel é um acontecimento por si só – e vale mais do que a história principal do filme. É o mesmo personagem que conhecemos há décadas (inclusive no cinema), mas há um frescor, uma novidade, uma juventude em tudo relacionado à sua presença que muda todas as nossas expectativas em relação aos próximos filmes. Você se lembra quando viu os primeiros filmes do Homem Aranha de Sam Raimi, os primeiros X-Men de Bryan Singer, os primeiros filmes do estúdio Marvel funcionando melhor do que você imaginava, o brilho épico do primeiro Vingadores? Ou, se estamos falando de super-heróis em geral, o Super-Homem de Christopher Reeve ou o Batman de Christian Bale? É muito difícil repetir a sensação de novidade depois que assistimos a tantos filmes de super-herói. E ao apresentar novamente o Homem Aranha, a Marvel se supera.
Sim, ainda há o espetacular T'Challa, o drama pessoal de Wanda Maximoff, o destino de James Rhodes, o que acontece com Bucky, a aparição de Ossos Cruzados, o momento Stan Lee, a cena escondida no final, a identidade do personagem de Martin Freeman, a volta do General Ross, a Hydra e um drama pessoal de Tony Stark. Mas tudo isso fica em segundo plano com a forma que a Marvel nos reapresenta o Homem Aranha. E, claro, das cenas de ação – os irmãos Russo talvez sejam os melhores diretores do gênero em atividade. E mostra que tudo que o estúdio fez até agora era só rascunho para uma fase 3 que promete.
Depois eu falo mais sobre o filme – aí sim com spoilers. Mas deixa o filme estrear e mais gente assistir. O Sadovski também gostou do filme, lê lá.
Sobre o Autor
Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.
Sobre o Blog
A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.