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Lançado há 40 anos, primeiro disco dos Ramones foi uma bomba-relógio

Alexandre Matias

22/04/2016 07h11

Hoje é muito fácil detectar o potencial explosivo e destrutivo do primeiro disco dos Ramones, que completa quarenta anos neste sábado, mas a simplicidade, a crueza e a tosquice que caracterizam o primeiro disco da mítica banda nova-iorquina não foram assimiladas logo após aquele 23 de abril de 1976. O charme particular e a truculência característica de seus autores foram atingindo seu público quase que individualmente, uma revelação pessoal a cada instante, até que, anos mais tarde, tinham uma audiência gigantesca e sua importância estabelecida. Batizado apenas com o nome da banda, aquele disco foi a bomba-relógio que mudou, em câmera lenta, a cara da música pop mundial e a relação das novas gerações com a música.

Os Ramones não eram nada. Mal sabiam tocar seus instrumentos e só queriam que o rock voltasse a ser rápido, barulhento e divertido como era quando eles ainda eram crianças, nos anos 50 e início dos anos 60. Toda a fugacidade e violência do rock daquela época havia ficado em segundo plano quando músicos virtuosos e temas épicos entraram na ordem do dia. Os Ramones só queriam ouvir música alta e balançar as cabeças no ritmo de uma batida repetitiva. E se juntaram para fazer o som que sentiam falta de ouvir, no meio dos anos 70, quando baladas folk, pop açucarado, heavy metal e rock progressivo dominavam o inconsciente coletivo.

Eram quatro sujeitos completamente diferentes que encontraram naquele denominador comum um motivo para fazer música juntos. O magro e desengonçado Jeffrey Ross Hyman adorava o pop mais besta dos anos 60 e tinha vivido como hippie até aquela época. O truculento John William Cummings era um conservador assumido que gostava de resolver seus problemas na mão. O casca grossa Douglas Glenn Colvin se prostituía nas ruas de Nova York e adorava ouvir Abba. O baixinho Tamás Erdélyi havia vindo da Hungria para Nova York e via a possibilidade de trabalhar como empresário de uma banda de rock. A primeira banda que empresariou, inclusive, foi a formada por Jeffrey, John e Douglas, que era mais conhecido como Dee Dee. O próprio Dee Dee havia acrescentado o sobrenome Ramone à sua personalidade artística como homenagem a um pseudônimo que Paul McCartney usava nos tempos em que os Beatles ainda se apresentavam como Silver Beetles. Os outros dois haviam gostado da brincadeira e transformaram seus próprios nomes em Joey e Johnny Ramone, fazendo surgir o nome da banda. E depois que eles não conseguiam um baterista que se mantivesse no tempo, Joey falou para Thomas deixar o papel de empresário de lado para assumir as baquetas da nova banda. E assim ele virou Tommy Ramone.

A nova personalidade do grupo acabou contagiando-os visualmente, que se apresentavam sempre de calças jeans rasgadas, cabelos compridos, óculos escuros e jaquetas de couro. E as poucas apresentações que fizeram em Nova York em 1975 – pouco mais de 30 shows, sempre curtos, quase todos na casa de shows CBGB's, cujo público era formado originalmente por velhos motoqueiros que gostavam de ouvir som alto – conseguiram cativar um pequeno público que os levou a uma gravadora a partir de pequenas revelações individuais.

Primeiro foi a jornalista Lisa Robinson, da revista Hit Parader, que viu um show deles e, além de escrever uma matéria, saiu contando a novidade para todos seus amigos. Entre eles estava Danny Fields, que havia trabalhado com a gravadora Elektra nos anos 60 e ajudado a lançar os Doors, o MC5, os Stooges de Iggy Pop e os Modern Lovers. Ele identificou o potencial da banda imediatamente e mostrou a seu amigo produtor Craig Leon, que também entendeu que havia algo novo ali. Bateram à porta do inglês Seymour Stein, que na época estava procurando por algo novo para sua gravadora Sire (que havia se tornado uma das principais gravadoras independentes do mundo com a ascensão do rock progressivo e que depois foi comprada pela Warner). Stein perdeu o show da banda que iria assistir porque havia ficado gripado, mas decidiu pagar para ver a banda em ação no estúdio para compensar a falha – e soube na hora que tinha encontrado o que ele estava procurando. Foi o encantamento individual de quatro pessoas que colocou os Ramones no estúdio para gravar seu primeiro disco.

Aquele magnetismo pessoal do grupo também aproximou bandas completamente diferentes como o grupo de Patti Smith, os duelos de guitarra do Television, o grupo que mais tarde iria tornar-se o Blondie e os novatos Talking Heads. Ao ver os Ramones em ação, cada uma destas bandas identificava a essência daquilo que estavam querendo fazer musicalmente, mesmo que cada uma fosse para um destino diferente. Os Ramones unificavam uma cena desconexa, que passou a usar o CBGB's como quartel-general, lentamente mudando a cara do local. Entre os novos frequentadores daquela cena estava um grupo de aspirantes a jornalistas que não se identificava com o que escreviam as revistas e jornais da época. Eles se reuniram e lançaram sua própria revista, o primeiro fanzine, batizado premonitoriamente de Punk – e assim nascia o punk nova-iorquino.

A essência dos Ramones era sua unidade: tudo soava como uma coisa só. Não importavam os instrumentos, baixo, guitarra e bateria seguiam o mesmo ritmo. Os temas das músicas menos ainda – podiam estar cantando sobre nazismo ou sobre dançar, o tom era sempre o mesmo. As músicas pareciam as mesmas e duravam dois minutos cada. Os músicos pareciam o mesmo e seguiam mal encarados independentemente da reação da plateia. O baixista gritava "1-2-3-4" e as músicas começavam com a mesma grosseria que terminavam. Os Ramones eram repetitivos, monótonos, barulhentos, ameaçadores – essa era sua magia. Aos ouvidos do século 21 os Ramones soam quase inofensivos, mas no meio dos anos 70 era o patinho feio, uma mancha grosseira na bela paisagem do rock de então. Foram eles que plantaram a semente que mudou tudo.

O primeiro disco captura exatamente isso. Ele soa rude porque seu produtor Craig Leon quis que ele soasse assim. A inspiração foram os primeiros discos dos Beatles, que separavam as guitarras em canais diferentes. Da mesma forma, Leon colocou bateria e vocal nas duas caixas mas o baixo de Dee Dee ficava à esquerda e a guitarra de Johnny à direita. Como no primeiro disco dos Beatles, o produtor dobrava o vocal em algumas músicas, dando uma dinâmica diferente ao mesmo timbre de voz. E por trás da tosqueira sonora estão detalhes de produção que passam quase impercetíveis: além das guitarras terem sido gravadas em vários canais e superpostas para aumentar seu volume, há violões de doze cordas, uma serra-elétrica, sinos e até um órgão de tubo – tudo encaixado para fazer o baixo, a guitarra e a bateria soarem ainda mais crus.

As músicas eram hinos instantâneos do incipiente punk e não havia assunto tabu. "Blitzkrieg Bop" abria o disco falando sobre nazismo e havia canções de amor ("I Wanna Be Your Boyfriend"), de violência ("Chainsaw"), crise política ("Havana Affair"), palavrões ("Loudmouth"), prostituição masculina e assassinato ("53rd & 3rd" era a esquina em que Dee Dee fazia michê), drogas ("Now I Wanna Sniff Some Glue") e até uma versão para uma música de Chris Montez dos anos 50 ("Let's Dance"). Todas as músicas tinham menos do que três minutos mas soavam até mais lentas do que nas versões ao vivo. Na capa do disco a imagem do grupo foi imortalizada por uma fotógrafa do fanzine Punk, Roberta Bayley, que imortalizou a imagem da banda em preto e branco na frente de uma parede de tijolos, criando uma das capas mais icônicas da história do rock. No mês em que o disco foi lançado, a primeira capa de revista da banda foi a do próprio fanzine Punk, com uma ilustração feita por um de seus fundadores, John Holmstrom, que mais tarde desenharia em capas clássicas do grupo como Rocket to Russia e Road to Ruin.

Mas o disco não foi o sucesso que seus entusiastas esperavam. Ficou em 111° lugar entre os discos mais vendidos da Billboard naquele mês e nenhum de seus singles ("Blitzkrieg Bop" e "I Wanna Be Your Boyfriend") chegou às paradas de sucesso. No entanto o disco teve uma vida comercial que permitiu levar a banda para a Inglaterra e para Los Angeles, na Califórnia. Nestas duas passagens – em julho de 1976 na Inglaterra e no mês seguinte em Los Angeles – o grupo tocou para um público que nos anos seguintes formariam as cenas punk nestas duas cidades. O reconhecimento popular dos Ramones só chegou nos anos 90, quando novas bandas de metal, hardcore e da cena grunge não pestanejavam em citar o grupo como influência. O próprio disco de estreia só se ganhou o certificado de disco de ouro há dois anos, em 2014.

E faz sentido. Porque os Ramones nunca almejaram o sucesso comercial. O fato de serem conhecidos de forma massificada hoje em dia é quase uma consequência bizarra de suas intenções iniciais, que era incomodar. Um incômodo que foi mínimo nos seus primeiros dias – mas pequeno o suficiente para ganhar força para espalhar-se pelo mundo como uma bomba-relógio que explodia em baixa velocidade.

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Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

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