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O que a segunda temporada do Demolidor nos diz sobre a nova fase da Marvel

Alexandre Matias

17/04/2016 23h21

Já conseguiram ver a segunda temporada do seriado Demolidor, que está na íntegra há um mês no Netflix? A série é mais um passo dentro da terceira fase da Marvel, que estreia oficialmente no fim deste mês com o terceiro filme do Capitão América. A segunda fase foi encerrada emblematicamente no fim do ano passado, com uma produção que parecia dizer que os dias engraçadinhos da Marvel fora dos quadrinhos iriam ficar em segundo plano, com o infantil (e eficaz) Homem Formiga. A tônica da nova fase seria mais séria e sombria, sem espaço para piadinhas de Tony Stark, referências retrô de Steve Rogers e até o alívio cômico coletivo dos Guardiões da Galáxia.

(Estou falando sobre isso para dar tempo de você cair fora caso não tenha assistido à toda nova temporada da série, pois a partir dos gifs animados falo sobre a série sem me preocupar com spoilers.)

De certa forma a primeira temporada do Demolidor (a primeira das cinco marcas que o estúdio irá coproduzir com o Netflix) já era um aperitivo desta nova fase da Marvel. A violência gráfica da série equivalia-se à injeção de eletricidade que Frank Miller deu ao personagem nos quadrinhos nos anos 80. Era um seriado cru por definição, violento por estética, sombrio por vocação. Foi uma surpresa para quem acompanhava as produções que a Marvel vinha fazendo com a ABC (Agents of S.H.I.E.L.D. e Agent Carter), que eram mais comportadas e mais divertidas, como os filmes da segunda fase do estúdio no cinema. A série protagonizada por Matt Murdock (Charlie Cox) já anunciava que os próximos passos da Marvel seriam mais realistas que a chuva de heróis coloridos de seus filmes até aqui. Jessica Jones, a segunda série da parceria entre o serviço de vídeos online e a editora-estúdio, lançada no fim do ano passado, manteve este tom mais sóbrio e sombrio, reforçando a tônica da nova fase.

A segunda temporada do Demolidor aprofunda-se nisso apresentado dois coadjuvantes de peso: Frank Castle e Elektra Natchios, dois ícones fortes da mitologia das ruas Marvel que adensam ainda mais a tensão dos novos episódios. A entrada dos dois – vividos respectivamente por Jon Bernthal (de Walking Dead) e Elodie Yung (de 13° Distrito: Ultimato) – mantém o nível de adrenalina da primeira temporada e aprofunda a dramaticidade de toda a série ao mesmo tempo em que ajudam a revelar o principal dilema da Marvel em sua nova fase.

O Justiceiro de Jon Bernthal é magistral. Entra com a frieza e a brutalidade que pede o personagem e sua presença é implacável mesmo quando não oferece perigo. Ele é o ponto de partida da nova temporada quando deflagra uma série de conflitos entre as três principais gangues da vizinhança da série, o bairro nova-iorquino de Hell's Kitchen, quase que literalmente dizimando-as sozinho. É a melhor versão que o personagem já teve fora dos quadrinhos.

A Elektra de Elodie Yung é quase tão boa e preserva o élan particular da personagem, equilibrando sensualidade e perigo na mesma moeda, e impondo-se fisicamente nas cenas de luta. É ela também quem acena para o misticismo que deve se impor nesta terceira fase da Marvel e que, na parceria com o Netflix, deve chegar ao auge na série dedicada ao Punhos de Ferro, que ainda não teve data de estreia definida mas que deve ser lançada no ano que vem.

Os dois não são os únicos coadjuvantes de destaque na nova leva de episódios. Foggy Nelson (Elden Henson) e Karen Page (Deborah Ann Woll) passam de amigos pessoais e aliados profissionais do escritório de advocacia que Matt Murdock gere de dia a cúmplices do próprio Demolidor. Suas relações tornam-se mais turbulentas e intensas à medida em que eles percebem o contraste entre as duas faces do amigo: advogado de dia e vigilante de noite.

E cercado por estes quatro personagens, Matt Murdock atravessa o tortuoso conflito da segunda temporada que provavelmente se arrastará pelas próximas produções da Marvel: o que separa um super-herói de um supervilão? O que torna um ser humano mau?

Estes principais confrontos surgem quando ele age ao lado do Justiceiro e de Elektra. Os dois o tentam para o caminho do assassinato, mostrando para o herói que só bater e prender os antagonistas não é o suficiente: é preciso matar. Castle carrega o fardo da vingança, recriando dramaticamente o caubói urbano que busca vingança após sua família ser assassinada por bandidos. Elektra brinca com a morte por diversão e seduz ao mostrar o prazer que tem em matar seus opositores.

E também estão presentes nas relações de Matt com Foggy e Karen, cada vez menos sorridente do que na temporada anterior. Enquanto Foggy confronta Matt em todos os episódios sobre seu compromisso com o escritório do qual são sócios, Karen descobre a identidade secreta do amigo, e isso abala drasticamentes a amizade dos três, que passam a questionar seus métodos e execuções.

O drama do personagem, no entanto, não convence. Nem é por falha do ator, mas porque ele não fica à altura de seus coadjuvantes. Mesmo Wilson Fisk (Vincent D'Onofrio) e a enfermeira Claire (Rosario Dawson) parecem ter crescido de uma temporada para a outra, mesmo com pequenas participações. Já o personagem de Matt Murdock fica preso no drama entre matar ou não matar e não consegue ser tão profundo quanto Frank e Elektra – nem mesmo quanto Foggy e Karen.

É um drama parecido com o que vive o agente Coulson na temporada atual de Agents of S.H.I.E.L.D. e que deve dominar tanto o terceiro filme do Capitão América quanto toda a terceira fase da Marvel. É a velha ladainha do Homem Aranha ("grandes poderes, grandes responsabilidades") levada às últimas consequências por personagens que serão apresentados em seus próprios filmes (como o Dr. Estranho, o Pantera Negra e a Capitã Marvel) ou que serão aprofundados em novos capítulos (como o terceiro Thor, o segundo Guardiões da Galáxia e o novo Homem Aranha). E é um dilema para a Marvel no cinema – como manter essa densidade emocional nos filmes sem perder o público infantil?

Contudo o drama interno de Matt Murdock não compromete o grande trunfo da série desde sua primeira temporada: as cenas de luta. Demolidor é a melhor franquia de ação na televisão e seus duelos corporais são primorosos. Há duas sequências que merecem destaque: uma luta numa escadaria no terceiro episódio e outra na cadeia no nono episódio, duas pequenas obras-primas da coreografia de câmera para a televisão.

Resta saber se Capitão América: Guerra Civil segue esse mesmo caminho conflituoso no encontro de quase todos os heróis do estúdio no primeiro capítulo da nova fase no cinema. E esse é o grande desafio da Marvel agora: conseguir discutir o conflito moral de ser um super-herói sem que isso abale suas grandes cenas de ação.

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Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

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