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"Record Store Day": Hoje é dia de comprar vinil

Alexandre Matias

16/04/2016 05h55

Foto: Renato Custódio (Divulgação)

Em algum ponto da década passada acreditou-se que os discos seriam extintos brevemente com a ascensão da música digital e isso fez que alguns donos de lojas nos Estados Unidos se juntassem para celebrar o que parecia ser uma prática decadente: sair de casa para comprar discos. O Record Store Day – dia da loja de discos, em inglês – ficou estabelecido como uma data comemorativa no segundo fim de semana de abril e lentamente foi se espalhando pelo mundo, sendo um dos responsáveis pela redescoberta e reestabelecimento do formato vinil, dado como morto por muitos incrédulos. A data fez que artistas e gravadoras – principalmente os independentes, mas não só eles – passassem a programar lançamentos específicos para a ocasião: discos com tiragem limitada, versões alternativas de músicas recém-lançadas, reedições de discos clássicos em embalagens especiais. Hoje o Record Store Day é um dos pontos altos da indústria fonográfica mundial e a prática se espalhou por vários países, inclusive no Brasil.

Por aqui o Record Store Day ainda está na segunda fase. Deixou de ser visto como uma data celebrada por aficionados e reúne cada vez mais novos compradores de discos a cada nova edição. O estágio atual, no entanto, ainda não foi abraçado pela indústria ou pelos artistas brasileiros, que, salvos raras exceções, ainda não preparam edições de discos para ser vendidas especialmente na data. As peculiaridades deste mercado por aqui ajudam essa estagnação: há apenas uma fábrica de vinis no país, nenhum fabricante se dispõe a relançar tocadiscos por aqui e só agora o mercado independente começa a respirar com autonomia comercial. A versão paulistana do Record Store Day acontece neste sábado, no MIS (Museu da Imagem e do Som. Av. Europa, 158 – Jardim Europa, São Paulo. Telefone 11 2117-4777), a partir do meio-dia, quando reúne lojistas da cidade vendendo seus achados para um público cada vez mais ansioso por novos discos. A entrada do evento é gratuita, bem como o show do grupo de rap Elo da Corrente, que se apresentará na feira a partir das 16h (mas é preciso retirar o ingresso com uma hora de antecedência na recepção do museu). Conversei por email com Marcio Custódio, sócio da loja Locomotiva Discos e organizador do Record Store Day por aqui.

Foto: Divulgação

Há quantos anos é realizado o Record Store Day no Brasil?
Não sei antes de eu abrir a Locomotiva, em 2011. Mas o primeiro evento que vi com esse nome foi uma feira de discos que fiz em 2012, foi bem na data e batizei o evento de Record Store Day. Acho que foi a primeira vez que alguém fez algo nessa data aqui no Brasil. Na ocasião, o evento foi um sucesso, mais de mil pessoas, superou todas as minhas feiras na época. Teve muito interesse do público e da mídia. Foi quando percebi que havia uma atração real por parte do público pela data e por essa celebração. No ano seguinte, 2013, abri a segunda loja da Locomotiva bem no Record Store Day. Foi sucesso também. Desde então, todo ano agito alguma coisa.

Como você vê o crescimento do interesse do público brasileiro pelo formato vinil? Dá para determinar que ano a procura começou a aumentar?
Acho que o crescimento do interesse se dá pelo comportamento de uma parte da sociedade, que devido ao transbordamento tecnológico que vivemos atualmente, começou a dar valor para tudo que é "vintage", "retrô" e "saudoso": Móveis, eletrodomésticos, roupas, design, carros, cortes de cabelo. E junto nessa onda entraram os discos de vinil e as vitrolas. O ritual de colocar um LP pra tocar, a apreciação da arte da capa, do encarte. Acho que existe um pouco de hype, mas também é um estilo de vida, um comportamento, que muitos adoraram e acham autêntico. Acho que isso começou a rolar mais sério no Brasil de uns cinco anos pra cá.

Dá para categorizar os diferentes compradores?
Sim, com certeza. Tem de tudo, desde o metaleiro nerd que compra o mais brutal e demoníaco black metal ao tiozão boa-praça que compra samba-rock para tocar nos bailes da periferia. O perfil do público nas feiras e na loja é amplo demais. Tem os hipsters que compram as novidades do Pitchfork, o hippie-tropical que se amarra em MPB, latinidades, carimbó, forró e afins, tem aquele executivo de terno e gravata que parece que não manja nada, mas vai na loja e compra de A a Z, de tudo, todos os estilos. Também tem a galera straight edge que compra hardcore e punk, o indie tradicional que quer completar sua coleção de indie anos 90 em vinil, o povo que venera o rock nacional, rock progressivo, classic rock, essas coisas. Tem o pessoal da música experimental. Ou seja, tem de tudo! Todas as idades e classes sociais.. É uma delícia, eu converso com todos eles, trocamos informações de música, é um barato.

O mercado brasileiro como um todo já entendeu que a volta do vinil não é um modismo?
Acho que ainda falta um pouco pra entender completamente. Penso que os discos poderiam ser mais baratos, mais acessíveis. Mas isso é um assunto complicado. Alguns lojistas colocam o preço lá em cima, mas aí tem também quem se dispõe a pagar preços exorbitantes. O fato de termos apenas uma fábrica de discos também atrasa um pouco a engrenagem da coisa toda. Atualmente a fábrica não dá conta de tantos pedidos. Dessa forma, as gravadoras têm dificuldade em lançar novos títulos em vinil.

Foto: Renato Custódio (Divulgação)

E sobre os fabricantes de aparelhos tocadiscos? Há algum fabricante brasileiro interessado em produzir estes aparelhos? O preço de uma vitrola nova ainda deixa muita gente de fora, não?
Pois é, acho que poderia ter um fabricante brasileiro de toca-discos, com preços acessíveis. Mas aí já não sei, talvez o empresário ache mais fácil importar da China. Tem que ver qual o melhor canal. Mas com certeza, o preço de um tocadiscos atualmente é alto e deixa muitas pessoas de fora desse hábito de comprar, colecionar e escutar discos.

Dá pra determinar quais discos ou artistas são mais procurados pelo público comprador de discos no Brasil? E quais os que se valorizaram mais recentemente?
Vejo o rock e a música brasileira como os dois gêneros mais fortes nas feiras e na Locomotiva. Artistas como Criolo, Arctic Monkeys e Pink Floyd são recordes em vendas. Recentemente, os discos do David Bowie ficaram valorizados, devido a sua morte.

Vocês estão importando algum lançamento exclusivo para o RSD 2016 para a edição deste ano?
Não estamos. Tentamos fazer isso ano passado e esse ano, mas a logística é muito complicada. Geralmente os lojistas nos EUA e Europa recebem os títulos com 5 dias de antecedência do Record Store Day. Não dá para chegar aqui no Brasil a tempo. Precisaria ter um serviço de entrega mega rápido, mas isso custaria caro e faria com que os preços dos discos ficassem caros demais. Sem contar o dólar alto do jeito que está…

Foto: Renato Custódio (Divulgação)

E sobre a edição deste ano em números? Qual estimativa de público? Quantos expositores? Quantos discos vocês esperam vender ao todo?
Acho que teremos mil pessoas nessa edição, semelhante ao que foi o ano passado. Teremos 70 expositores. Quantidade de discos, depende, se cada expositor vender uns 50 discos, já tá bom, já valeu a pena!

Que dicas você dá quem quer começar a comprar vinil agora?
Tem que ficar esperto nos preços. Faça uma pesquisa, procure a loja mais barata. Se for comprar usado, verifique se o som do disco tá bom mesmo. Não adianta o disco parecer que tá novo, brilhando, as vezes ele pode ter sido limpado só pra parecer bonito, mas o som é ruim.

E alguma dica para quem for ao evento deste sábado?
A dica é chegar cedo, pois as melhores ofertas, os discos mais disputados, estão sempre no início do evento. Quanto mais tarde chegar, mais difícil de achar aquele disco fodão por um preço camarada. Tenha pique pra garimpar. Quem procura, acha!

Foto: Renato Custódio (Divulgação)

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Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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