"Rua Cloverfield, 10" é a melhor surpresa do ano até agora - sem spoilers!
Alexandre Matias
06/04/2016 21h11
O primeiro aviso que faço a você que vai assistir a Rua Cloverfield, 10 – ou que quer assistir a um bom filme no cinema neste fim de semana – é se blindar sobre qualquer informação que vá além de sua premissa básica. Ela já foi explorada em seu incrível trailer, uma joia rara nesta fase cada vez mais emburrecedora dos trailers atuais e isso é tudo que você precisa saber. Vou, inclusive, me dedicar à sua história de fato em um outro texto, na semana que vem. Neste aqui quero apenas instigar sua curiosidade em relação ao melhor filme que assisti no cinema neste ano – até agora.
Esqueça sua campanha de marketing fulminante, esqueça que foi produzido por J.J. Abrams, esqueça sua "mystery box" (embora ela esteja inteirinha ali), esqueça o jogo de realidade alternativa que foi produzido antes do filme. Esqueça inclusive qualquer conexão com o filme com o qual ele compartilha seu título, o gigantesco Cloverfield, de 2008, pois ela é secundária – e depois eu falo mais sobre isso. Rua Cloverfield, 10 é um filme que se sustenta sozinho e conta uma história do início ao fim – basicamente uma história de transformação.
O que mais impressiona neste filme é a segurança da direção. O novato Dan Trachtenberg faz sua estreia num longa metragem com um pulso promissor. Já era perceptível sua firmeza em dois curtas que havia feito anteriormente: More Than You Can Chew (assista aqui) e Portal: No Escape (assista aqui), o primeiro para uma série de curtas de um programa chamado BlackBoxTV e o segundo um filme que se passa no universo do game Portal. Vale a pena assistir aos dois mesmo sem as legendas em português – são histórias simples e bem visuais, que já demonstram a habilidade de Trachtenberg para criar tensão com poucos recursos. Foi uma ótima surpresa vê-lo seguir com a mesma veia num longa metragem.
Porque Rua Cloverfield, 10, além de uma história de transformação, também é um exercício eficaz de acúmulo de tensão. Toda a ação concentra-se apenas em poucos personagens, interpretados brilhantemente por Mary Elizabeth Winstead (a eterna Ramona), John Goodman (impressionante) e John Gallagher Jr. (o repórter moleque do seriado Newsroom, transformado num caipira americano) num bunker subterrâneo, cenário mínimo que parece não permitir que nada fuja ao controle.
E é aí que está a graça do filme: tudo pode fugir de controle. Enquanto vamos pouco a pouco conhecendo os personagens, vamos vendo como suas mentes funcionam naquele clima opressor que vai aumentando a cada minuto. Sem janelas, não temos a noção do passar dos dias nem do que acontece no exterior, o que ajuda a deixar tudo ainda mais tenso e nos faz grudar na cadeira ao cogitar todas as possibilidades que podem acontecer até aquele tormento chegar ao fim.
E quando chega, vem de uma forma completamente inusitada, inclusive para seu elenco. O mínimo de humor colocado no filme funciona mais como um alívio de tensão do que motivo de riso, o que é mais um ponto a favor de seu diretor estreante. Que conduz uma transformação completa: compare as primeiras cenas com as últimas e perceba que as ações e intenções mudaram completamente durante o filme.
Rua Cloverfield, 10 é da escola de filmes de terror que flertam com o pop e experimentalismo cinematográfico ao mesmo tempo, como Psicose, O Despertar dos Mortos, O Massacre da Serra Elétrica, Bruxa de Blair, O Homem de Palha, o espanhol [REC] e A Morte do Demônio – embora não seja propriamente um filme de terror. Não é uma obra-prima com algum dos filmes que citei e chafurda na vulgaridade B da literatura pulp e dos seriados dos anos 60 que tanto encantam J.J. Abrams (sua conclusão é o melhor exemplo disso). Mas suas atuações convencem o espectador e a direção transcende o trivial teatro filmado, com closes fortes e ritmo crescente.
Semana que vem eu comento o filme com mais detalhes.
Sobre o Autor
Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.
Sobre o Blog
A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.