O cúmulo do lixo: "Batman vs Superman" é muito pior do que eu imaginava
Alexandre Matias
24/03/2016 20h11
Eu queria começar a escrever este texto sobre Batman vs Superman com uma sonora gargalhada. Ocupar um parágrafo inteiro com um AHAHAHAHHAHA do começo ao fim, já que o filme conseguiu materializar toda minha decepção que havia sentido com o trailer. Fui massacrado nos comentários do post que fiz sobre este trailer, acusado de fã da Marvel, pessimista ou pseudointelectual e queria retornar a conversa sobre o filme com um sonoro e reconfortante "eu avisei".
Mas o fato é que Batman vs Superman é tão ruim, mas tão ruim, que superou minhas piores expectativas. Pela metade do filme eu já imaginava diferentes deixas para abandonar a sala, mas uma certa morbidez pop me fez esperar até o final dos créditos para ver se havia algo que poderia se salvar do filme. E além de uma raiva imensa por me sentir desperdiçando quase três horas da minha vida, me bateu uma sensação de melancolia que finalmente descambou para a tristeza.
Sou de uma geração que cresceu lendo super-heróis. Que viu o momento em que os heróis norte-americanos – principalmente os da Marvel e DC – deixaram de ser vistos como heróis infantis e ganharam uma aura de importância e uma maturidade narrativa que veio quando uma geração de jovens autores, principalmente ingleses, invadiu este mercado nos anos 80. Foi a mesma época em que os filmes inspirados em heróis começaram a ser lançados, com a DC saindo na frente com quatro filmes do Super-Homem e dois do Batman, uns melhores, outros piores, mas era bom ver estes heróis ganhando vida para além dos quadrinhos.
Especialmente o Super-Homem e o Batman, meus dois heróis favoritos (e, acho, da maioria das pessoas). Juntos eles formam o alicerce que tornou a indústria norte-americana dos quadrinhos viável, funcionando inclusive como base para o surgimento da Marvel. Popularizaram o conceito de super-herói, a mídia que tinha os inventado e uma linguagem pop tão contagiante e global quanto o rock'n'roll, o cinema de ação, os videogames e o hip hop. E sempre foram tratados desta forma: ícones fundadores de uma linguagem, que se distanciavam conceitualmente entre si. Toda a geração dos anos 80 que consagrou Marvel e DC para novas gerações tratava os dois heróis como ícones primordiais, arquétipos divinos trazidos para o século 20. Quadrinhos como Whatever Happened to the Man of Tomorrow? e For the Man Who Has Everything de Alan Moore, All Star Superman e Arkham Asylum de Grant Morrison, os dois Cavaleiros das Trevas de Frank Miller e até Red Son de Mark Millar são homenagens apaixonadas e cerebrais a estes dois ícones, livros que precisam ser lidos por qualquer pessoa que queira entender a cultura pop do século passado.
Aí a DC perdeu a mão ao continuar fazendo seus Batman (embora eu goste de Batman & Robin, o quarto filme, que pelo menos lembra a série dos anos 60) e parou de falar em fazer filmes do Super-Homem. Enquanto isso a Marvel caminhava a lentos passos rumo ao seu sonho de se transformar num estúdio de cinema, primeiro os filmes do Blade, depois os do Homem Aranha, os dos X-Men e até que inaugurou o Marvel Cinematic Universe com o primeiro Homem de Ferro há quase dez anos, lançando como estúdio. O sucesso foi tamanho que eles se dão ao luxo de fazer (bons) filmes com personagens do terceiro escalão – e ainda ganhar dinheiro com isso! Na esteira para conseguir alcançá-la, a DC acertou ao dar Batman para Christopher Nolan e quase chegou lá com o novo Super-Homem do Bryan Singer, em Superman: O Retorno. Enquanto Nolan fez filmes dignos da mitologia do homem-morcego (embora aquela voz de monstro ou o Bruce Wayne cheio de culpa do Christian Bale não me desçam até hoje), Singer pediu para sair e a Warner, que cuida dos filmes da DC, apelou para Zack Snyder – que havia feito um bom trabalho adaptando Watchmen, embora que seja uma adaptação muito literal e com um fim covarde. Mas aí vem o Snyder com Man of Steel e ele literalmente destroi o mito do Homem de Aço.
Man of Steel tem inúmeros defeitos, mas o pior deles, todos sabemos, é o fato de que o Super-Homem destrói quase toda Metropolis apenas numa briga contra o inimigo da vez, sem se importar com as pessoas. Prédios inteiros desabam – presumidamente com milhares de pessoas dentro – e o Super-Homem não se importa. Tudo bem esse monte de gente morrer, porque ele estava no meio de uma batalha épica? Qualquer outro super-herói poderia ter essa reação. Menos o Super-Homem. O kryptoniano essencialmente ama os seres humanos e se preocupa com cada um deles – talvez por pena (como reza o clássico monólogo de Quentin Tarantino no final de Kill Bill 2) ou talvez por amor mesmo. Mas ele nunca deixaria uma pessoa sequer morrer para atingir um inimigo, por pior que ele seja. Isso está na essência do personagem.
Acontece que Batman vs Superman é pior que Man of Steel. Muito, mas muito pior.
Vou só comentar o filme aqui, não vou dar spoilers por enquanto.
Não sei nem por onde começar. A história? Deve ter sido escrita por uma criança de cinco anos. Os diálogos? Por algum roteirista de trailer? As atuações? Até o Jeremy Irons está risível – a escolha do elenco é boa, mas ninguém é exigido em momento algum, recitando textos medíocres e frases caricatas. O Lex Luthor de Jesse Eisenberg é uma afronta ao personagem e mesmo que o ator quisesse, com as falas que lhe deram, não daria pra fazer muito além do que foi feito – tanto que ele parece mais um Coringa clássico (o que não seria má ideia) do que o vilão multimilionário. O Super-Homem de Henry Cavill parece uma criança. A situação é tão feia que o Ben Affleck nem fica tão mal como Batman – o que é muito diferente de dizer que ele faz um Batman convincente. Seu Batman parece o Homem de Ferro sem humor, seu Bruce Wayne parece o Robert Wagner no Casal 20.
O filme desanda de saída, quando mais uma vez revemos a cena do assassinato dos pais de Bruce ainda criança e mais uma vez a cena em que ele cai na caverna cheia de morcegos (mas o final dessa cena, mesmo que seja só um sonho, é outro crime contra a mitologia de um herói). A primeira metade das duas horas e meia de filme é incrivelmente sonolenta e Snyder usa seu pior defeito para vilanizar o Super-Homem – fazendo a opinião pública se voltar contra o alienígena genocida do filme anterior, mesmo que ele continue salvando o dia. A rotina na redação do Planeta Diário parece uma peça de teatro infantil sobre jornal nos anos 50, enquanto Batman chega ao cúmulo de marcar a ferro os bandidos que prende.
Aí chega a metade do filme, com a luta do título acontecendo por um motivo pífio e pouco crível. Você pode até fazer pouco da inteligência do Super-Homem, mas uma das qualidades do Batman é o fato de ele ser um ótimo detetive (uma faceta pouco explorada pelos filmes, que reduzem o herói ao seu cinto de utilidades, seu batmóvel e seus cúmplices satélite, como Alfred e Gordon). E não é possível que o Batman de verdade não perceba o quanto é manipulado para entrar na briga com o Super-Homem.
A briga não é lá grande coisa, mas o que acontece depois dela é uma gigantesca hecatombe de lixo. Não vou entrar em detalhes para não contar muito da história, mas é um dos piores desfechos de filmes que eu já vi. Não apenas de filmes de super-herói, de filmes de verdade. A vontade de sair do cinema no meio da sessão foi tão grande quanto a da única vez que abandonei uma sala de cinema pela metade, ao assistir Cocoon 2. É quando o filme fica noturno de vez (quase não se vê a luz do dia) e começam as explosões. Explosões tão grandiosas e absurdas que fazem Michael Bay parecer sensível.
Nada se salva? Praticamente nada. A Mulher Maravilha tem seu momento, Gal Gadotconvence embora não seja muito exigida, e pode ser que seu filme funcione. Há uma cena em que vislumbramos o futuro do universo DC nos cinemas, apontando para os filmes que virão, que também dá o seu recado. Mas é só.
Não perca seu tempo nem seu dinheiro vendo este filme. Não recomendo nem que você espere passar na TV aberta para assisti-lo dublado. Porque é um dos piores filmes deste século, tranquilamente.
Mas eu sei, você é fã de quadrinhos e fã de filmes de super-herói e vai pagar pra assistir a esse filme no cinema, mesmo com todos os pés atrás possíveis. A gente precisa ver pra ter certeza que não estragaram essa mitologia que crescemos vendo, afinal gastaram tanto dinheiro com isso, né? Não pode ser tão ruim.
Pois pode. Pode e é. É o cúmulo do lixo filmado, tudo que está errado em Hollywood atualmente, mais um filme de ação hiperbólico rodando em falso. Mas não mata o gênero super-herói nos cinemas, especialmente se a Warner tirar Zack Snyder da jogada.
Sobre o Autor
Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.
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