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20 anos de "Lavô Tá Novo" dos Raimundos e o fim do rock brasileiro

Alexandre Matias

03/11/2015 13h01

Há exatos 20 anos, no dia 3 de novembro de 1995, os Raimundos lançavam seu segundo disco – e a esperança de uma segunda década consecutiva de rock brasileiro começava a acabar. Não por culpa do disco, claro. Mas ele marcou uma mudança de patamar para a banda de Brasília, que poderia se tornar a banda mais popular da última década do século passado mas que preferiu deixar seu som ainda mais pesado, distanciando-se cada vez mais de um pop nacional que vinha sendo forjado desde o início daquela década.

Em vários aspectos, Lavô Tá Novo é o melhor disco dos Raimundos. Ele abre com duas cacetadas que estão entre as melhores músicas pesadas já gravadas no Brasil – "Tora Tora" e "Eu Quero Ver o Oco" – e desfila hits imbatíveis tanto no lado hard rock/hardcore ("Bestinha", "Herbocinética", "Pitando no Kombão" e "Sereia da Pedreira") quanto no lado da canção jocosa ("O Pão da Minha Prima", "Opa! Peraí, Caceta" e a irresistível "I Saw You Saying (That You Say That You Saw)"), que era uma das principais características do primeiro disco da banda. A banda ainda mantinha o pé no forró, que lhe firmou como novidade no cenário pop brasileiro ("Tá Querendo Desquitar (Ela Tá Dando)" e "Esporrei na Manivela", as duas com a participação do sanfoneiro Zenilton). Mas o disco também era o começo do fim do Banguela e o início do distanciamento da banda de um público mais amplo – mais pop.

O Banguela foi um experimento que o então jornalista gaúcho Carlos Eduardo Miranda propôs aos Titãs. Mostrou várias fitas demo de bandas iniciantes para a banda paulista e conseguiu convencê-los a criar um selo para lançá-las. Não era a única iniciativa neste sentido: o produtor Pena Schmidt criou o selo Tinitus na multinacional PolyGram para abrir espaço para novas bandas, o guitarrista do Legião Urbana Dado Villa-Lobos e o baixista da Plebe Rude André X abriram o selo Rock It! com o mesmo intuito na EMI, a gravadora Sony abriu o selo Chaos para abrigar artistas iniciantes e a BMG ressuscitou o selo Plug para amparar aqueles novos artistas. Com a entrada dos anos 90, as bandas de rock dos anos 80 começaram a ficar velhas e perderam o vínculo com os fãs mais jovens. Uma nova safra de artistas começava a surgir em diversas cidades pelo Brasil e aos poucos criavam um circuito alternativo, certamente inspirado pelo sucesso do Nirvana em 1991, que mostrou para o grande mercado fonográfico que existia uma cena que sobrevivia para além das paradas de sucesso.

O diferencial do selo dos Titãs eram os Raimundos. A banda de Brasília já fazia barulho antes mesmo de lançar seu primeiro disco – sou conterrâneo e contemporâneo deles e lembro de ter assistido ao grupo abrindo shows do DeFalla e do Ratos do Porão no falecido Grand Circo Lar, que ficava na Esplanada dos Ministérios, meses antes de eles entrarem quase como penetras no festival campineiro Juntatribo (em que também estava presente – nasci em Brasília mas fazia faculdade em Campinas), em 1993, que é considerado o marco zero da banda. Mesmo tocando naquele palco de um metro de altura sob uma lona quase improvisada dava pra ver que a banda estava pronta para acontecer. Assisti ao show do palco, do lado de uma das toscas caixas de som e as centenas de pessoas que haviam ido ao festival se deixaram levar pelo peso, humor e desenvoltura da banda no palco. Quando Miranda assinou-os para o Banguela era previsível que eles se tornariam um dos principais nomes daquele novo rock alternativo. O primeiro disco, batizado apenas com o nome da banda, era cru como suas apresentações – e era só isso que precisava para ganhar um público que ia além do underground e da MTV.

Mas "Selim", improvável balada farofa, incluída quase em cima da hora, levou a banda para outro patamar. E logo os Raimundos estavam tocando no rádio, algo impensável para aquela geração. Mesmo com a MTV Brasil, mesmo com a existência da revista Bizz, mesmo com fãs espalhados em todo o Brasil, a safra de bandas que apareceu junto com os Raimundos atingia um público ínfimo e quase não tinha repercussão popular em massa. Rádio então, nem pensar. Mas a escrotice de uma música lenta sem meias palavras levou a banda para um público completamente novo e o disco de estreia dos Raimundos não só faturou o disco de ouro – uma medida de sucesso do século passado que validava 100 mil discos vendidos – como os levou para a rádio.

Foi esse sucesso que também alimentou o Banguela. Com o dinheiro do disco dos Raimundos, Miranda e os Titãs podiam apostar em outros artistas novos, como Mundo Livre S/A, Graforréia Xilarmônica, Maskavo Roots e Little Quail & the Mad Birds, além de coletâneas que reuniam artistas do Rio Grande do Sul (Segunda Sen Ley), de Curitiba (Alface) e do interior de São Paulo (Pircorococór, que escrevi o release, inclusive). Aquilo criou uma situação complicada com a banda, que achava que sustentava o selo com seu sucesso, o que era verdade. Mas se não fosse o Banguela, os Raimundos nunca teriam lançado um disco como seu primeiro álbum nem conseguido emplacar nas rádios como aconteceu.

A rusga virou cisma e a banda deixou o Banguela. Lavô Tá Novo, seu segundo disco, foi produzido pelo norte-americano Mark Dearnley, que já havia trabalhado com AC/DC e Black Sabbath – e a sonoridade crua do primeiro disco ficou pequena perto das paredes de guitarra do segundo disco. Ao ser lançado pela gravadora mãe do Banguela, a Warner, os Raimundos também deixaram para trás os dias de underground e partiram rumo ao primeiro escalão do pop nacional. Mas esqueceram de avisar para eles que, apesar de algumas exceções, o Brasil não é um país roqueiro.

O fato de termos tido duas décadas com picos de sucesso calcado no rock – primeiro os anos 60 da Jovem Guarda e da Tropicália e depois os anos 80 com duas cenas de rock brasileiro (a carioca e a paulista, com a brasiliense apertada entre as duas) – criou a ilusão de que o país escuta rock. Mas Roberto Carlos abandonou o rock logo no final dos anos 60, bem como as cabeças do tropicalismo e o rock brasileiro dos anos 80 mais facilitou a venda de artistas em bando (método que depois tornou possível o sucesso em larga escala da lambada, do sertanejo, da axé music e do pagode, nesta ordem) do que fez o país se acostumar com os sons das guitarras. Duas frases de épocas distintas sintetizam o apreço brasileiro pelo rock: "Roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido" de Rita Lee, e "não existe rock alternativo no Brasil, rock no Brasil é alternativo", de João Gordo.

E ao abrir o caminho rumo ao hard rock, os Raimundos foram ao mesmo tempo perdendo o apelo popular que tiveram no primeiro disco e ficando mais sérios e menos engraçadinhos. Lavô Tá Novo ainda tinha a essência da banda (fora várias referências à maconha, que quase fez o disco se chamar Dedo Amarelo), mas o terceiro álbum, Lapadas do Povo, os distanciou de vez do público de massa. Sorte dos Mamonas Assassinas, que pegaram o caminho pavimentado pelos Raimundos para ganhar os corações e mentes do Brasil.

Se tivessem lançado um disco parecido com seu quarto lançamento – Só No Forevis é outro clássico da banda, justamente por retomar o humor e o vínculo com a canção – talvez conseguissem permanecer no topo por mais tempo. Mas o pop nacional daquela década ainda tomaria outro golpe pesado quando o Fiat que Chico Science dirigia saiu desgovernado em direção a um poste, matando ele que seria o maior popstar do século passado, em 1997. A trágica morte dos Mamonas, no ano anterior, também ajudou o rock brasileiro a perder espaço e a tríade sertanejo-axé-pagode dominou geral. Talvez se Só No Forévis fosse lançado no lugar de Lapadas do Povo ainda teríamos uma cena de rock com disposição para tocar no rádio. Mas, depois dos Raimundos, salvo uma Pitty aqui, um Los Hermanos ali e a safra de bandas emo (que tocava mais no rádio pelo apelo romântico do que pela pegada rock), o rock brasileiro voltou para o underground.

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Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

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