10 coisas que aprendi sobre "De Volta para o Futuro" e uma teoria bem deprê
Alexandre Matias
21/10/2015 10h01
Em alguma realidade paralela à nossa, nos céus da cidade californiana de Hill Valley, nos EUA, um DeLorean voador aparecerá do nada, vindo diretamente de trinta anos no passado, chegando exatamente no dia de hoje. Pois é no dia 21 de outubro de 2015 que a máquina do tempo inventada pelo cientista Emmet "Doc" Brown no filme De Volta para o Futuro chega ao viajar para o futuro no final do primeiro filme da trilogia. Certamente é outra realidade, pois além da cidade dos dois não existir, também chegamos a 2015 sem carros voadores, roupas que se secam sozinhas, tênis que se ajustam aos pés automaticamente e skates flutuantes.
O fato é que o dia de hoje será celebrado de diversas formas, principalmente por nostalgia de pelo menos três gerações. E uma destas comemorações é o lançamento do livro De Volta para o Futuro – Os Bastidores da Trilogia (Darkside Books), de Caseen Gaines, que chega hoje às livrarias, que tive o prazer de traduzir ao lado da minha esposa Mariana Moreira Matias. E apesar de fã de carteirinha do filme – assisti aos três no cinema, ainda na minha pré-adolescência – teve um monte de coisas que eu aprendi sobre a trilogia traduzindo este livro. Separo dez delas aqui:
1) O produtor e autor da história original do filme Robert Gale imaginou todo o primeiro filme ao visitar a casa dos pais, quando encontrou o livro de formatura do segundo grau de seus pais e cogitou encontrá-los com aquela idade e aparência. A partir disso, imaginou viajar no tempo para conhecê-los e toda a história de De Volta para o Futuro foi sendo imaginada. Era o filme que ele e seu amigo diretor Robert Zemeckis sempre quiseram fazer, mas nunca tiveram a oportunidade – e continuaram fazendo outros filmes (o beatlemaníaco Febre de Juventude de 1978, o hilário Carros Usados de 1980 e o empolgante Tudo por uma Esmeralda de 1984) até que lhes deram a oportunidade de materializar De Volta para o Futuro.
2) Eu já sabia que Michael J. Fox não tinha sido o primeiro ator a interpretar Marty McFly. O que eu não sabia era que Michael J. Fox sempre havia sido a primeira opção para o papel mas que não pode aceitá-lo porque estrelava uma série que estava fazendo sucesso nos Estados Unidos, Family Ties – que no Brasil chamava-se Caras e Caretas e passava toda quarta-feira na Sessão Comédia da TV Globo (eram ooooutros tempos, como você pode ver). Coube aos produtores escalar outro ator e o escolhido foi Eric Stoltz, que havia acabado de estrelar o filme Marcas do Destino, de Peter Bogdanovich. A história do menino que tinha leoniase e cresceu deformado rendeu boas críticas à sua atuação e ele entrou em De Volta para o Futuro com outro espírito, quase existencialista (que tem a ver com a teoria deprê, que comento mais abaixo), e que não funcionou com o resto do filme. E ele filmou boa parte das cenas como Marty McFly, até que o diretor Robert Zemmeckis assumiu o erro e resolveu jogar o que já havia produzido fora para salvar seu filme. "Havia um buraco no meio da tela", era o que todos envolvidos no filme achavam da falta de carisma de Stoltz. Algumas cenas do jovem ator como Marty McFly podem ser encontradas no YouTube:
Fizeram até um teaser do trailer do filme com Stoltz:
Felizmente, Michael J. Fox aceitou fazer o filme, mesmo que isso significasse jornadas duplas em que precisasse dormir no banco de trás de um carro enquanto ia do set de filmagens da série para o do filme.
3) A máquina do tempo original não era um carro, mas ficava na caçamba de uma picape. E era necessário uma explosão atômica para ativá-la, o que obrigou a produção a imaginar outro conceito para realizar a viagem no tempo.
4) A moda dos carros Delorean já havia passado nos Estados Unidos quando o filme foi realizado e a fábrica havia decretado falência em 1984. Eles já eram vistos como modelos ultrapassados e, pior, o fabricante dos carros estava envolvido com denúncias que o relacionavam ao tráfico de cocaína.
5) Eu também sabia que Claudia Wells, a atriz que fazia a namorada de Marty McFly, Jennifer, teve que ser substituída nas continuações porque pediu para afastar-se para ajudar a mãe, que passava por um grave problema de saúde. O que eu não sabia era o criterio que levou à escolhade Elizabeth Shue. A principal preocupação dos produtores para encontrar a substituta de Wells era sua altura: como Michael J. Fox é baixinho (ele tem 1 metro e 63), eles precisavam encontrar uma atriz que fosse no máximo de sua altura. Shue já tinha uma carreira em ascensão – havia participado do primeiro Karate Kid e estrelado outro clássico da Sessão da Tarde, Uma Noite de Aventuras -, que continuou subindo após as duas continuações, quando ela foi indicada ao Oscar de melhor atriz por Despedida em Las Vegas, em 1995.
6) Outro ator que foi substituído foi Crispin Glover, que interpretava o pai de Marty, George McFly. O problema, neste caso, foi o de salário: Glover achava que era tão importante no primeiro filme quanto Marty e o personagem de Christopher Lloyd, o cientista Doc Brown, e exigiu um aumento de salário quando o filme fez sucesso. Como seu papel não teria destaque na continuação, os produtores fizeram uma contraproposta e o ator não aceitou. Assim, reduziram a participação de George McFly em 2015 e a única cena em que ele aparece, ele surge de cabeça para baixo, para dificultar seu reconhecimento.
7) O filme teria apenas uma continuação, que era batizada de Paradoxo. Mas como previa quatro épocas diferentes – 1985, 2015, 1985 alternativo e 1885 – e muita informação no roteiro, ela foi dividida em duas partes, consagrando o filme como a primeira trilogia de sucesso no cinema de sucesso após Guerra nas Estrelas, o que ajudou a estabelecer este formato como parâmetro para futuros blockbusters, como Matrix, Senhor dos Anéis e os Batman de Christopher Nolan.
8) Robert Zemeckis é categórico em afirmar que De Volta para o Futuro nunca terá um quarto filme ou um remake. Ele e Robert Gale assumiram este compromisso e abriram exceções para outras mídias, como games e quadrinhos. Também é o único filme de Zemeckis que teve continuação, outra coisa que o diretor também diz que nunca mais fará.
9) Um acidente quase mata uma das dublês de uma das cenas do início do segundo filme, quando Marty McFly foge de Griff (o neto de Biff, ambos vividos por Thomas Wilson) com o skate voador. Os dublês estavam amarrados a cabos de segurança que deveria fazê-los espatifar no vidro, feito de açúcar, e cair em segurança num colchão do outro lado. Mas um dos cabos se soltou e fez a dublê Cheryl Wheeler enfiar a cara em uma pilastra, fraturando o rosto e escapando de morrer por pouco. O acidente está registrado no filme.
10) As duas continuações de De Volta para o Futuro foram mais assistidas no Japão do que o filme original. É o único lugar do mundo em que o primeiro filme não foi mais bem sucedido que os outros dois.
Já a teoria deprê diz respeito aos paradoxos da viagem do tempo. Se fôssemos levar a lógica de viagens no tempo do filme ao pé da letra, seu protagonista desapareceria assim que conseguisse reatar os pais no final do filme. Afinal de contas, ele teria mudado a atitude do pai em relação à vida, fazendo-o deixar de ser um nerd perdedor para se tornar um bem sucedido escritor de ficção científica. Isso também mudou a mãe de Marty McFly, que está mais magra e mais bonita na nova realidade, bem como seus dois irmãos, que agora têm emprego e são pessoas bem resolvidas, ao contrário do que eram no início do filme. São outras pessoas – o que significa que a realidade que Marty habitava deixou de existir. Seus pais e irmãos que conheceram teriam sido eliminados da história e substituídos por pessoas idênticas, mas diferentes por nascer em outro contexto.
E aí chegamos a um paradoxo crucial deste novo cenário – se seus pais e irmãos são outros, e o próprio Marty? Será que ele seria outra pessoa caso tivesse nascido em uma família bem sucedida? O filme deixa implícito que não, ele é o único que se manteria idêntico à sua versão em outra realidade, tanto que sua família não nota nenhuma diferença.
Mas…
E o outro Marty McFly? Acompanhamos a chegada de Marty McFly de um 1985 alternativo, em que seus pais e irmãos são pessoas fracassadas, para um 1985 em que sua família inteira é bem sucedida. Mas em momento algum nos encontramos com o Marty McFly desta nova realidade. E isso nos leva ao Marty McFly de Eric Stoltz.
Um dos motivos que Stoltz não funcionou em De Volta para o Futuro era sua abordagem em relação ao protagonista. Um ator do Método, uma escola de atuação que obriga os atores a se afundar nas emoções dos personagens para sentir àqueles sentimentos na pele, Eric Stoltz o tempo todo questionava-se sobre o fato de Marty voltar para uma realidade diferente da que havia vivido e da sensação de estar fora de sua própria realidade. Ele deixou um personagem que seria divertido e leve em uma pessoa densa e perturbada – e isso inevitavelmente refletiu-se em sua atuação.
Mas suas preocupações tinham fundamento sem mesmo chegar a pensar no, retomando a teoria, Marty McFly desta nova realidade. O que teria acontecido com o Marty McFly que foi criado pela versão bem sucedida de seus pais? O único jeito de Marty não encontrar-se com o outro Marty seria tirando-o desta realidade.
E a única pessoa que poderia fazer isso seria Doc Brown, afinal o cientista é o único, além de Marty, que sabe da alteração no tempo. Então ele teria duas opções para resolver isso – as duas drásticas: na primeira, mandaria Marty para uma outra realidade alternativa através da máquina do tempo para que quando o Marty original reaparecesse ele não corresse o risco de encontrar com o novo Marty McFly. A outra opção é ainda mais pesada – e deprimente – pois Doc teria que matar o outro Marty McFly. O que muda completamente o personagem, deixando de ser um simpático cientista louco transformando-o simplesmente em um cientista louco clássico. Louco o suficiente para negociar plutônio com terroristas líbios e criar realidades paralelas e apagar outras apenas para testar seus experimentos.
Não era por acaso que Eric Stoltz tinha outra abordagem em relação ao personagem…
Sobre o Autor
Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.
Sobre o Blog
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