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Por que "Batman vs. Superman" pode enterrar os filmes de super-herói

Alexandre Matias

14/07/2015 16h08

Tá certo que é questão de gosto, acima de tudo, mas… O trailer do filme de Zack Snyder sobre o encontro do Super-Homem com o Batman me pareceu rogar um mau agouro pesado sobre essa era de ouro dos super-heróis dos quadrinhos nos cinemas que vivemos hoje. O tom frio e pesado do trailer, típico de seu diretor, apaixonado pelo conceito de fim de mundo e por uma paleta escura e cinza-azulada de cores, me pareceu uma colcha de retalhos fúnebre de tudo que poderíamos esperar do pior estereótipo de um filme de super-heróis. Parecia que estava assistindo a uma lápide em quadrinhos.

É tanta informação, tantos acontecimentos enfileirados e acumulados, tantas frases de efeito e clichês visuais que o filme parece uma paródia mal-humorada de um gênero que não é propriamente um gênero. Então tome protestos contra o Super-Homem e o próprio herói sendo posto em julgamento e devido à (impensável, para os padrões do personagem) destruição do filme anterior, um submarino de chumbo chamado O Homem de Aço, que afundava mais a cada minuto que passa. E vemos que todo o caos causado em Metrópolis também afetou um novo personagem, que vemos ao lado do logotipo das empresas Wayne um pouco antes de ver a mansão que leva o mesmo sobrenome destruída no horizonte. Sabemos que ele também torna-se um combatente contra o crime e que tem uma história de origem pra ser contada (os pais saindo da ópera, a revoada de morcegos, o bandido, o colar, aquele papo todo) e por algum motivo os dois irão se confrontar e o povo vai ficar a favor do Batman e contra o Super-Homem, apesar do símbolo do Super ser usado para chama-lo em situações de desespero. Corta para a redação do Planeta Diário e o publisher Perry White manda uma frase de efeito logo depois da mãe terráquea do super-herói emendar outra, na cidade de Smallville: "As pessoas odeiam o que elas não entendem, seja seu herói, Clark", ouvimos ela dizer enquanto assistimos ao herói salvando pessoas, sendo aclamado por pessoas fantasiadas de zumbi e salvando a explosão de um foguete. Aí aparece o Super-Homem vindo do céu como um deus e surge o Lex Luthor, que ainda nem é careca (sendo que a primeira imagem divulgada do ator como o personagem era careca), ainda nem é um supervilão e também deve ter uma história de origem pra ser contada (a infância sofrida, o convívio desde cedo com o crime, o assassinato ainda adolescente, aquele papo todo) falando sobre "a maior mentira dos Estados Unidos". Depois vemos o Batman já uniformizado (e com luzes nos olhos) inaugurando o Batsinal. E ainda tem guerra, rasantes de aviões de combate, a kryptonita, o Batmóvel, Lex Luthor repetindo clichês sobre "Deus versus homem, dia versus noite" e a Mulher Maravilha!

Esse filme vai ter quantas horas, cinco? Eles vão conseguir enfiar toda essa história em menos de duas horas e meia e ainda fazer sentido? Com certeza Zack Snyder fará uma versão com o dobro do tamanho para lançar no DVD, incluindo tudo aquilo que ele queria colocar na versão original e teve que cortar, afinal de contas ele é uma versão caricata do cineasta nerd personificado por Peter Jackson, quase uma versão Bizarro do autor da épica adaptação do Senhor dos Anéis. E justamente por isso ele pode ser o cara que enterre de vez essa onda de super-heróis no cinema: não a iniciada pela Marvel com o Homem de Ferro, ou a iniciada pela Marvel no primeiro Homem Aranha ou a iniciada pela Marvel nos primeiros experimentos em Blade, ainda nos anos 90. Mas aquela iniciada pela DC no final dos anos 70, com o mítico primeiro filme do Super-Homem, e seguida pela própria DC dez anos depois, com o pitoresco primeiro filme do Batman, de Tim Burton.

Afinal, embora a Fox tenha se esforçado com a nova leva de filmes dos X-Men, só a DC tem a cacife de fato pra enfrentar a usina de força da Marvel. Por melhores que sejam todos os heróis da Marvel, eles ficam em segundo plano à sombra dos mitológicos Super-Homem e Batman. Os dois luminares da DC são os alicerces tanto do quadrinho pop quanto da genealogia do herói fictício moderno, mas fora o primeiro filme do Super em 1978 e a trilogia de Christopher Nolan com o Batman quase tudo que a DC tentou fazer no cinema funcionou mal. Os dois últimos filmes do Super-Homem só não foram o fundo do poço porque conseguiram fazer um filme de super-herói pior que a Mulher-Gato de Halle Berry quando Ryan Reynolds encarnou o Lanterna Verde.

Por pior que tenha sido o Lanterna Verde, contudo, ele não chega a abalar as estruturas do cinema porque é um personagem secundário entre os heróis da editora. Mas os filmes recentes do Super-Homem são autoenganos que só podem ter sido cometidos depois de rodadas de reuniões com grupos de marketing, analisando todos os detalhes de um filme para ter a certeza de que nada ali poderia dar errado. Só que não.

Assistir ao trailer desse encontro épico de mitologias me causou essa péssima impressão de um filme realizado a partir de estatísticas, previsões, finanças e outras análises cruas e hiperbolizadas do que "o mercado" pode querer, como se o mercado não fôssemos nós mesmos. Presos em suas salas de brainstorm, os "criativos" da Warner só conseguem pensar em um filme que funcione nas redes sociais, nas prateleiras de brinquedos e em diferentes janelas de exibição (primeiro cinema, depois vídeo on demand, depois DVD, depois TV a cabo, depois filme no avião, depois TV aberta, etc.) do que um filme que seja bom na tela de cinema. Uma história que prenda a atenção do espectador do começo ao fim, mesmo que seja um rascunho de história, como alguns filmes da Marvel, mas que consiga fazer o filme ter sentido – e principalmente fazer sentido à personalidade dos heróis, decanos em nosso zeitgeist. A impressão que tive com esse excesso de informações desse primeiro trailer como se conseguissem pendurar qualquer coisa relacionada ao ideário básico dos dois personagens pra ter a certeza de que o público reconheceria tudo.

Batman vs. Superman também é o auge dessa fase sem criatividade de Hollywood em geral. A maioria das produções de hoje em dia limita-se a pegar uma história que o público conheça de outras plataformas (livros, quadrinhos, videogames, programas de TV, jogos de tabuleiro e do próprio cinema, em remakes, prequels e continuações) e reconta-la de forma que ela possa oferecer o mínimo risco financeiro, sem brecha nenhuma pra o exercício da criatividade e da ousadia narrativa. Mas essa fase sem originalidade da indústria do cinema talvez não seja mais uma fase e tenha se tornado a forma de sobrevivência deste mercado, deixando-o pronto para ser abocanhado por uma indústria ainda em ascensão (os games? As plataformas digitais tanto de streaming quanto de convívio social?).

Mas o encontro dos alter-egos de Bruce Wayne e Clark Kent programado para o ano que vem parece hiperbolizar tudo de uma forma vazia e puramente visual que até pode funcionar no primeiro fim de semana, mas não vai justificar o investimento do estúdio nessas marcas. O Esquadrão Suicida, o Vingadores de supervilões planejado para estrear logo depois, segue exatamente essa linha exagerada, gráfica e sem nenhuma sutileza, como se a DC tivesse se tornado o equivalente da Image nos quadrinhos nos anos 90 – pior, nos fazendo torcer para os vilões. Resta saber se isso vai funcionar.

Eu aposto que não. E aposto que o fracasso dessa superprodução vai fazer os estúdios, diretores e produtores a começar a repensar o papel do super-herói na pauta da indústria do entretenimento. Isso já aconteceu em outros momentos com outros gêneros dominantes, quando Michael Bay enterrou a boa fase de ficção científica e ação iniciada em Matrix com seus Transformers ou quando Spielberg encerrou a fase Stallone-Schwarzenegger dos filmes de ação ao bater O Último Grande Herói com seu Parque dos Dinossauros, no início dos anos 90.

Isso não afeta em nada os planos da Marvel, que segue dentro de seu nicho bilionário que planejou para os próximos anos. Da mesma forma que o excesso de desenhados animados gerados por computador não abalou a importância da Pixar ou que os clones de Guerra nas Estrelas não tiraram a popularidade da franquia da Lucasfilm. Mas vai ser mais difícil ver obras como Kick Ass, Poder Sem Limites, Megamente, Birdman ou Hancock saírem do papel.

O sucesso inesperado dos quartos volumes das franquias Parque dos Dinossauros e Mad Max já fez uma luz amarela acender no radar para quem achava que o futuro dos super-heróis era infalível no cinema. E uma das explicações para o sucesso de ambos filmes é a vulnerabilidade dos protagonistas, que desapareceu nessa fase de ouro dos super-heróis do cinema – no novo Parque dos Dinossauros o superser é um dinossauro vilão; no novo Mad Max ninguém é super, só restam armas, carros e máquinas (e uma guitarra que cospe fogo, mas melhor deixar isso pra lá).

Isso não quer dizer que a DC irá fechar suas portas para o entretenimento além dos quadrinhos, mesmo porque se no cinema ela mais erra que acerta, na televisão tem um histórico mais bem resolvido, desde a série kitsch do Batman nos anos 60 à comédia romântica Lois & Clark: As Novas Aventuras do Superman nos anos 90, passando pela bem sucedida Smallville e as recentes – e elogiadas – Arrow, Flash e Gotham. Cada uma dessas produções tem seu estilo específico, mas consegue fazer a mitologia da DC funcionar sem necessariamente apelar para o excesso de referências, como ocorre com o filme que vai estrear no ano que vem.

O lado bom de um fracasso desses também é mais uma vez limpar a página para recomeçar a história de novo – e com outros produtores e diretores, com visões menos mercantis e superdimensionadas de personagens que atravessaram o século passado em nosso imaginário. Pode ser que uma possível ressaca dure uma década, um pouco mais, um pouco menos, mas eu ainda acredito que veremos os melhores filmes do Super-Homem e do Batman num futuro próximo.

Mas, de novo, isso é só uma impressão pessoal.

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Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

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