Kung Fury: Apertem os cintos que é como se Tarantino fosse para os anos 80
Alexandre Matias
31/05/2015 18h54
Se você tem entre 30 ou 50 anos ou simplesmente gosta de cultura pop, delicie-se com essas cenas.
Esse delírio nostálgico faz parte de um pequeno marco na história do cinema chamado Kung Fury, escrito, dirigido e atuado pelo sueco David Sandberg e lançado neste fim de semana. É uma apologia tão descarada aos anos 80 que não só reúne elementos da cultura pop da época (Miami Vice, Super Máquina, De Volta para o Futuro, séries policiais, fliperama, filmes de ação, artes marciais, Double Dragon, Transformers, o início das culturas do skate, do hip hop e dos hackers, o gore pop de filmes como Robocop e Predador) como recria ícones históricos de acordo com a estética daquela década (o filme consegue reunir Hitler, dinossauros, bárbaros, viagem no tempo e várias cobras naja pilotando jet skis voadores).
É a história de um policial de Miami que, depois de ver seu parceiro morrer pelas mãos de um guerreiro oriental, é atingido por um raio ao mesmo tempo em que toma uma picada de uma cobra (?!) e com isso torna-se o escolhido de uma arte marcial que o tornam um guerreiro invencível (?!?!), que tem uma ideia que ninguém havia pensado antes – voltar no tempo para matar Hitler antes que ele se torne Kung Führer (?!?!?). Ele poderá conseguir isso, mas graças a seu amigo hacker, algo acontece fora do planejado…
Dito assim Kung Fury parece ser o maior absurdo possível, mas todo exagero se apequena perto dessa celebração do excesso oitentista. O nível de insanidade temática torna possível que o média metragem de apenas meia hora cruze fronteiras como a comédia, o cinema de ação, o thriller policial, o épico histórico e a celebração da cultura adolescente dos anos 80. É como uma comédia dos produtores Jim Abrahams e os irmãos David e Jerry Zucker, que produziram clássicos como Aperte os Cintos o Piloto Sumiu, Top Secret, Top Gang e Corra que a Polícia Vem Aí só que feita com a mesma paixão pelos anos 80 que Quentin Tarantino tem pelos anos 70, aquele universo temático habitado pelo Drive de Nicolas Winding Refn, o Daft Punk no disco Discovery e a dupla de dance music Chromeo. E o filme não mistura apenas referências temáticas, mas também de linguagem narrativa: há claros momentos inspirados em videoclipes, trailers de filme, propagandas de programas de TV, infomerciais e videogame.
Mas o que o torna tão importante é que ele foi inteiramente produzido por uma só pessoa – David Sandberg, que consegue parecer Johnny Depp e o Ryu do jogo Street Fighter ao mesmo tempo – mas que custou apenas 600 mil dólares, que seu autor conseguiu levantar pela plataforma de financiamento coletivo Kickstarter. Ele junta-se, numa outra esfera, a filmes baratos e bem sucedidos comercialmente que se tornaram clássicos basicamente por cutucar um nervo do público que a indústria ignorava: American Grafitti (US$ 770 mil), o primeiro Sexta-Feira 13 (US$ 550 mil), A Morte do Demônio (US$ 375 mil), Halloween (US$ 300 mil), Mad Max (US$ 200 mil), A Noite dos Mortos Vivos (US$ 114 mil), A Bruxa de Blair (US$ 35 mil), El Mariachi (US$ 7 mil) e Primer (US$ 7 mil). A diferença entre estes clássicos baratos anteriores é que o diretor pode contar com o dinheiro para realizar o filme sem colocar em risco sua saúde financeira.
E ao mesmo tempo a internet está ajudando o filme se tornar um fenômeno. A própria natureza referencial do filme carrega uma força viral inevitável – é como se você pudesse ler 10 listas do Buzzfeed sobre os anos 80 por minuto e isso ao mesmo tempo ser algo divertido e empolgante. Em três dias o vídeo já batia a marca de 8 milhões de views no YouTube. Junte-se a este número:
Ou, se você não fala em inglês, assista à versão legendada em português, legendado por fãs.
E se prepara, porque pelo volume de gente que o filme está juntando, pode ser que estamos assistindo apenas ao começo de um fenômeno.
Sobre o Autor
Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.
Sobre o Blog
A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.