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Bruno Mars desequilibra a última noite do Rock in Rio Las Vegas

Alexandre Matias

17/05/2015 12h51

A edição de sábado do Rock in Rio Las Vegas, que encerrou a programação de dois fins de semana do festival brasileiro em solo norte-americano foi ainda mais convencional e previsível (para não falar em enfadonha) do que a de sexta. O público era um pouco maior (na sexta foram 42 mil espectadores e no sábado 48 mil), a faixa etária era nitidamente mais velha e o interesse por música era secundário.

O evento em si era a grande atração, não os artistas que tocavam em seus palcos. Fora os dois nomes que fecharam a noite – o maestro soul John Legend e o popstar Bruno Mars -, durante todos os outros shows havia mais gente circulando pelas atrações da Rock Street – uma vilinha que reunia lojinhas, lanchonetes, palcos de minúsculo porte e dançarinos de rua – do que nos palcos em si.

Quem realmente desequilibrou foi o headliner da noite, Bruno Mars. É impressionante sua evolução como showman: Mars saiu da categoria de performer promissor a manipulador de massas. A produção de seu show foi bem mais modesta que a do musa pop que fechou a noite de sexta (Taylor Swift, genial) e limitava-se apenas a um jogo de luz às costas da banda e eventuais pirotecnias e fogos de artifício e mesmo com várias pessoas dançando ao seu lado, nenhum deles era apenas dançarino – eram todos músicos e vocalistas de sua banda.

Mars fica tão à vontade no palco que agiganta-se mesmo sem precisar de nada além de si próprio. O show é um desfile de seus hits com citações rápidas para músicas de outros autores (a menção a "Bam Bam", da feiticeira dancehall Sister Nancy antes de sua "Over You" foi precisa) e entre momentos de pura adrenalina de pista de dança e baladas rasgadas, Bruno tinha o público na mão. Sabia exatamente como arrancar suspiros, sorrisos e gritos de empolgação.

E mesmo atingindo pontos altos nas baladas "Just the Way You Are" e "When I Was Your Man", ele incendiava mesmo a plateia em hits indefectíveis das pistas de dança, como sua contagiante "Treasure" e a irresistível "Uptown Funk", que gravou com o produtor midas Mark Ronson. Um pequeno aspirante a James Brown, Bruno Mars já é gigante nos Estados Unidos. Se continuar nesta escalada, se tornará um dos grandes artistas do mundo ainda nesta década.

Já o show de John Legend foi extramente convencional. Seu talento é inegável, bem como sua precisa conexão com o público, especificamente o feminino. "Não estou fazendo nenhuma promessa", falou aos homens da audiência, "mas estou dando tudo de bandeja pra vocês esta noite", em relação ao seu poder de sedução. Alternando entre o piano de cauda e apenas ao microfone, Legend desfilou todas suas baladas certinhas – como "Lay Me Down", "You & I" e "All of Me". Me desculpem os fãs do soulman, mas sua discografia é aquela trilha sonora que dentistas põem para tocar em suas salas de espera pois, inconscientemente, ela torna a dor de obturações suportável.

O problema de Legend é apenas apostar no óbvio. Além de suas próprias músicas, ele tocou três covers de seus ídolos que funcionam como prova de que, apesar de ter as referências corretas, ele apenas as clona. Logo no início do show, ele apresentou uma versão para "I've Been Watching You (Mover Your Sexy Body)" do Parliament de George Clinton, no meio de sua apresentação puxou a sensacional "Move On Up" de Curtis Mayfield e quase ao final regeu uma versão idêntica ao hino "What's Going On" do papa do soul Marvin Gaye.

Um pouco de conhecimento musical une os três autores como forças evolutivas da música negra norte-americano. George Clinton transformou um grupo de doo-wop em uma usina de groove que dividia entre suas duas bandas, o selvagem Parliament e o demoníaco Funkadelic. Curtis Mayfield elevou o trabalho que fazia com seus Impressions a um patamar de excelência que o transformou em um titã do groove nos anos 70. Marvin Gaye peitou sua gravadora Motown ao exigir gravar um álbum conceitual sobre ecologia numa época em que ninguém dava a menor bola para o tema, na virada dos anos 60 para os 70 – parindo justamente a obra-prima "What's Going On". Os três são os principais responsáveis pela evolução da soul music em direção ao funk.

É óbvio que John Legend sabe disso. Mas em vez de fazer como seus ídolos e provocar algo que possa lhe colocar em um patamar histórico. Em vez disso, prefere engessar o passado em músicas feitas para ganhar Grammys, vender discos e aparecer em trilhas sonoras de filmes. Uma pena.

Das outras atrações do sábado apenas a performático dupla australiana Empire of the Sun saiu do convencional, com um show teatral, cheio de elementos cênicos que fariam inveja ao Cirque de Soleil e a Hans Donner ao mesmo tempo, embora musicalmente fosse menos interessante do que no impacto visual. Mas não dá para tachar o grupo como trivial: eles estão criando seu nicho confortavelmente, numa versão mais esquisita da cena de dance music que pertence, de artistas conterrâneos como Bag Raiders, Van She, Pnau, Cut Copy e Miami Horror.

Além destes, os outros shows foram chatos, convencionais ou simplesmente horrorosos – como o caso da gritalhona inglesa Joss Stone ou dos burocráticos canadenses Magic! -, mas o público não ligava. Passava um tempo no palco, via umas três músicas, filmava um trecho de outra com um celular, tirava um selfie para mandar para o Facebook e partia para escorregar pela tirolesa que passava sobre as cabeças do público do palco principal ou ia curtir as atrações da Rock Street. A música era uma atração à parte, apenas a trilha sonora de um grande evento.

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Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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