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Pedra fundamental do underground brasileiro, Killing Chainsaw está de volta

Alexandre Matias

20/04/2016 16h21

killingchainsaw-2016

No início da última década do século passado, se você quisesse ouvir música diferente, você tinha que caçar. Muito. A internet era utilizada por algumas centenas de pesquisadores no país e não havia programa de navegação com interface gráfica – você se comunicava apenas via texto em monitores de tela preta. O MP3 não havia sido inventado. Os fundadores do Google e do YouTube haviam acabado de aprender a ler e escrever. Não existiam redes sociais. Você só conseguia ter acesso a músicas através de discos ou do rádio – e se quisesse ouvir qualquer música tinha de comprar um disco ou esperar que a música tocasse sem aviso, para você gravar em uma fita cassete por pura sorte. Gravar um disco era mais caro do que comprar um carro. Prensá-lo era algo de outro mundo.

Nesta época, adolescentes espalhados por todo o Brasil começaram a ouvir outro tipo de música, diferente daquela que tocava no rádio, por conta própria. Havia uma semente de mercado independente plantada nos anos 80, movida por bandas que não queriam aparecer na televisão e por lojas que importavam discos que não eram lançados no Brasil. Uma rede de pessoas que trocavam correspondências, fanzines (revistas artesanais) e fitas cassetes com músicas que não se ouvia em nenhum outro canto do Brasil a não ser naquele novo nicho. Este meio foi forjado entre o lançamento da revista Bizz no Brasil (principal publicação de música pop da história do país, que fechou suas portas há pouco menos de uma década) e a chegada da MTV no Brasil. Estes dois veículos traziam à tona uma utopia musical para quem gostava de música e não queria ouvir só as músicas que tocavam no rádio e nas trilhas sonoras das novelas, que eram as mesmas. Cantando em inglês quase como birra, a geração das guitar bands tinha como seus principais grupos nomes como os paulistanos Pin Ups e Mickey Junkies e os cariocas Cigarrettes e Second Come. Mas uma delas, por não pertencer a uma grande capital e pela virulência elétrica características de suas apresentações, entrou para a história como uma das principais bandas deste período – grupo que volta à ativa a partir desta quarta-feira, quando sobem pela primeira vez aos palcos juntos quase vinte anos depois do último show.

E só o fato do Killing Chainsaw vir de Piracicaba era um atestado de que aquela nova cena poderia encontrar um sentido específico do que era fazer sucesso. Gravar um disco, fazer shows, correr o Brasil e ter seu nome reconhecido sem precisar tocar no Chacrinha, aparecer em cadernos de cultura ou bajular celebridades da época parecia ser um parâmetro de sucesso bem mais palpável e crível do que entrar no esquema das grandes gravadoras e das rádios. Era a sensação de que o faça-você-mesmo pregado pelo movimento punk dez anos antes não era apenas uma ruptura pura e simples, mas um fim em si mesmo: "Existia toda uma coisa acontecendo em diversos lugares, desconexos e quando se juntou percebemos que estávamos querendo passar o mesmo recado sem perceber", me explica o guitarrista Rodrigo Guedes, o único da banda que não mora mais em Piracicaba, numa entrevista por email. "Vamos fazer por nossa conta, sem nos preocupar com quem vai nos ajudar. Nós fomos a geração que transformou fita demo em um produto final, que não era voltado para as gravadoras, mas para o público."

Através das fitas demos, aquelas bandas puderam criar seus novos públicos que eventualmente os levou a lançar seus próprios discos. O Killing Chainsaw lançou um disco em vinil pela loja de discos Void e outro em CD pela gravadora holandesa Roadrunner, chamado Slim Fast Formula. Mas discos eram exceção naquele mercado em que fitas cassete eram lançados como álbuns. E o fato de vir de Piracicaba não intimidava a banda: "Por que aquilo não existia nas capitais também. Isso não fez muita diferença pra gente. O que fazia diferença era que a gente morava juntos e já acordávamos no quarto de ensaio. Isso transformou o KC numa banda potente nos palcos e comprometida com a composição. Sempre querendo se superar", explica Guedes. As apresentações do Killing, sempre carregadas de peso, velocidade e eletricidade, foram responsáveis por transformá-los em uma das bandas mais célebres do underground brasileiro, inspirando várias gerações de novos artistas.

A banda já havia ensaiado a volta algumas vezes mas começou a movimentar-se de verdade a partir do documentário Guitar Days, que está sendo produzido sobre as bandas underground deste período. "Como tudo no KC, aconteceu sem aviso", explica Guedes. "O Caio Augusto que está dirigindo o documentário Guitar Days fez um convite para a gente fazer os shows do lançamento do filme e topamos assim, sem pensar. Era algo que estavamos conversando há muito tempo. Pareceu uma boa hora pra gente subir nos palcos outra vez, dezenove anos depois."

Além do show de São Paulo, que acontece nesta quarta-feira, no Z Carniceria, o Killing também toca em Belo Horizonte neste sábado e no Rio de Janeiro no próximo dia 30. As apresentações serão ao lado de bandas clássicas e novos nomes das cenas indie destas cidades: em São Paulo a abertura fica por conta dos Twinpine(s) que contarão com a participação do guitarrista dos Pin Ups Zé Antônio e dos Mickey Junkies (informações aqui); em BH a banda toca ao lado do grupo carioca Secod Come e dos locais Valv, Câmera e Lava Divers (informações aqui); no Rio de Janeiro o show acontece ao lado dos Cigarrettes e do Second Come (informações aqui). Parte da renda dos shows irá para o financiamento do documentário. Fui convidado para discotecar no show desta quarta-feira, ao lado do Plínio, do mítico Espaço Retrô, principal palco destas bandas. O próprio Z Carniceria que recebe o primeiro show da volta da banda é histórico, pois funciona no mesmo espaço que abrigava o antigo Aeroanta. Os ingressos para o show de São Paulo podem ser comprados neste site.

A banda não descarta continuar na ativa após os três shows de volta. "Se formos dar sequência, pode apostar que vamos compor músicas novas. Até porque nunca curtimos a ideia de um retorno, sempre pensamos em continuidade, de onde parou. Acho que esse vai ser o caminho", continua Guedes, que durante a hibernação do Killing Chainsaw continuou seu trabalho a partir do Grenade, inicialmente uma one-man-band, que depois virou um quarteto baseado em Londrina, no interior do Paraná. "O Grenade está parado. A banda se dissolveu, os músicos se mudaram, mas logo vamos retomar. Por enquanto, tem tudo que fizemos neste site", diz o guitarrista.

"Estamos muito ansiosos pra subir no palo, a expectativa é quebrar tudo!", comemora Rodrigo. "Nenhuma época do KC vai ficar de fora, da primeira demo ao Slim Fast Formula. Só vendo mesmo!". A banda ainda não está nas plataformas digitais, mas o grupo está correndo para agilizar isso: "Estamos preparando os novos canais do Killing Chainsaw com todo conteúdo digital. Ainda estamos organizando esse material. Hoje você tem que caçar no YouTube ou no site pira.cows.com.br". Guedes nem pestaneja quando pergunto qual a música que mais lhe emocionou ao tocar de volta com os amigos: "Fuck You Gently!"

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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