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Aos 30 anos, os Goonies não vão morrer tão cedo - mesmo sem continuação

Alexandre Matias

07/06/2015 16h20

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Dois dias depois de Ferris Bueller matar aula em grande estilo, estreava nos cinemas dos Estados Unidos um filme que marcaria as mesmas gerações que idolatram Curtindo a Vida Adoidado, de John Hughes. O filme Goonies estreou no dia 7 de junho de 1985 e só ficou atrás de Rambo 2: A Missão nas bilheterias daquele fim de semana, mas terminou o ano como um dos filmes mais rentáveis no mercado norte-americano do ano em que estreou.

30 anos se passaram e o carisma do filme original permanece intacto, em parte pelo fato de ele ser quase uma lacuna preenchida na marra em um novo showbusiness que estava sendo reinventado nos anos 80 e também por não ter gerado continuações ou subprodutos que pudessem drenar a energia do filme original, como aconteceu com outros títulos daquele período (como Gremlins, Os Caça-Fantasmas e De Volta para o Futuro, por exemplo).

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Goonies era uma necessidade de mercado, mesmo que seus produtores não tivessem plena consciência disso. Hollywood começou a ser reinventada a partir do final dos anos 60 pela geração mais porra louca que já tomou conta de filmes, novatos como Francis Ford Coppola, Warren Beatty, Martin Scorsese, William Friedkin, Peter Bogdanovich e Dennis Hopper, que começou a subverter a lógica das superproduções dos grandes estúdios. Os caçulas dessa geração (George Lucas e Spielberg) surfaram nessa onda em grande estilo criando filmes (Tubarão, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Guerra nas Estrelas, E.T. e Indiana Jones) que salvaram a indústria do cinema e reinventaram seu modelo de negócios, inaugurando a era do blockbuster, que vivemos até hoje.

A grande sacada de Spielberg e George Lucas foi justamente conversar com uma geração mais nova de igual pra igual. Percebendo que o novo público adolescente não era encarado pela indústria do cinema como uma nova geração de consumidores, os dois se viram naqueles mesmos papéis e resolveram fazer filmes que eles gostariam de ver quando eram pré-adolescentes.

E esta nova leva de fãs entrou nos anos 80 criando seu próprio universo particular. Se a geração dos anos 60 havia pavimentado o caminho para que o adolescente pudesse ser ouvido, a nova década apresentava um cenário de ficção científica misturando-se à compulsão consumista da cultura pop. Novas tecnologias e novos aparelhos começaram a fazer parte da rotina desta nova geração, que não era compreendida por seus pais (contemporâneos dos hippies), que também abraçava culturas alternativas do passado que finalmente chegavam ao grande público.

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Era um cenário que colidia Walkman e videogames, computadores e fitas VHS, relógios digitais e um rascunho de internet com a aceitação das culturas do surfe, do skate, do punk rock, das artes marciais e das tatuagens. Tudo que explodiria na grande nação alternativa dos anos 90 começou a ser gestado na década anterior e era mais facilmente reconhecido por crianças e adolescentes do que por adultos. Lucas e Spielberg entenderam os anseios dessa nova geração e projetaram seus filmes para falar com aquele novo público.

E deu certo. Tanto que os adolescentes deram a tônica do cinema comercial daquela época, quando a onda Spielberg / Lucas misturou-se com a de John Hughes (de A Garota de Rosa Shocking, Clube dos Cinco, Gatinhas e Gatões e, claro, Curtindo a Vida Adoidado), os experimentos de Copolla com esta nova geração (Vida Sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta) e os trabalhos dos amigos da dupla de diretores, que quase sempre ajudavam na produção dos filmes de nomes como Robert Zemeckis (De Volta para o Futuro), Tobe Hooper (O Massacre da Serra Elétrica e Poltergeist), Sam Raimi (A Morte do Demônio), Joe Dante (Gremlins) e John Landis (Clube dos Cafajestes e O Lobisomem Americano em Londres). Eram autores que não apenas faziam filmes para um público adolescente quanto quase sempre tinham jovens no elenco, que causava a aproximação entre público e filme ao mesmo tempo em que provocava uma renovação de atores no mercado.

E os pré-adolescentes? Tão importantes quanto quem tinha mais de quinze anos ou estava na faculdade, talvez os pré-adolescentes dos anos 80 fossem o grupo etário mais importante para essa geração, quando ele carrega os valores definidos na virada dos anos 70 para os anos 80 em décadas a fio. Se hoje temos um mercado dominado por filmes de super-herói, videogames que movimentam bilhões, bandas que ressuscitam em série, a celebração da cultura nerd e graphic novels em edições de luxo é porque esse público que começou a deixar de ser criança durante os anos 80 carregou manias e obsessões que dão a tônica da cultura pop atual. Mas tirando um Matthew Broderick hacker em Jogos de Guerra e a gangue da BMX no E.T. de Steven Spielberg – que era o grupo dos amigos do irmão mais velho do protagonista -, quase nenhum novo filme tratava destas ex-crianças que cresceram querendo ser anti-heróis.

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Daí a importância dos Goonies. É um filme feito não só para o público com menos de 15 anos mas também com um elenco desta faixa etária – os mais velhos no grupo são minoria. E como esse período de vida é frágil e fugaz, é muito difícil imaginar uma continuação lógica para aquela aventura pirata que estreou no cinema há 30 anos. Mais seis meses na vida daqueles meninos e eles já vão ser outras pessoas – os hormônios em ação vão engrossar vozes, encher o rosto de pelos e aumentar seu interesse sexual em detrimento de qualquer tipo de caça ao tesouro.

Não que não tenha sido tentado. Goonies 2 só existiu na época como um videogame da Nintendo – que mal tinha uma história e em que você salvava uma sereia (?!) -, lançado em 1987, mas como o filme tornou-se objeto de culto por mais de uma geração, há pelo menos 10 anos uma continuação, remake e outras ideias para o título vêm sendo cogitado.

O diretor Richard Donner diz desde 2004 que mantém conversas com Spielberg, que produziu o primeiro filme, sobre uma continuação, mas o elenco original vez por outra aparece em programas de TV para negar ou confirmar interesse em Goonies 2. Dos atores originais apenas Sean Astin, Josh Brolin e Martha Plimpton continuaram no cinema e a pergunta inevitável vez por outra aparece quando estão divulgando seus novos trabalhos. Os atores que não seguiram carreira vez por outra são procurados justamente para comentar a possibilidade de um segundo filme.

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Goonies 2 contaria com o elenco original mas a história principal aconteceria com uma nova geração de Goonies, filhos dos primeiros. A produção já foi cogitada como sendo um filme, como sendo uma animação, um musical da Broadway e uma série de desenho animado e já teve confirmações tanto de Spielberg quanto de Donner e do roteirista original Chris Columbus. Quase todo ano há um novo boato sobre a possibilidade de Goonies 2 acontecer ou não.

Eu preferia que não acontecesse. Se a máquina de hype já trabalha à toda sem que o projeto nem tenha saído do papel, imagine se ele for realizado. Vão martelar tanto Goonies em nossas cabeças que é capaz que tenha um efeito invertido – e que vamos passar a nem querem ouvir falar em Goonies 2. Fora a expectativa – tanto em termos artísticos quanto nostálgicos e mercadológicos – que podem tirar toda a naturalidade e o frescor de um conto de fadas típico dos anos 80.

Porque os Goonies não vão morrer caso esse filme não seja feito…

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Assista ao trailer original:

E veja também fotos do elenco atualmente.

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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