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A escolha do líder do Chromatics para a trilha sonora de Twin Peaks é um ótimo sinal sobre a próxima temporada

Alexandre Matias

11/05/2017 15h31

Estamos às vésperas de voltar a um universo fictício em que a realidade e o sobrenatural se superpõem com estilo. A terceira temporada de Twin Peaks está a algumas semanas de distância entre seus criadores e, nós, seu público. A série que David Lynch produziu no início dos anos 90 era um alienígena na TV norte-americana e subvertia a estética de telefilme dos anos 80 ao misturar um assassinato numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos que começa a ser investigado por um agente do FBI com uma camada de surrealismo de horror inimaginável até para a TV de hoje em da.

Foi, no entanto, um alienígena viral: contaminou o DNA das séries de TV de tal forma que mudou a perspectiva para todos os profissionais da área. A partir de Twin Peaks, que teve meras duas temporadas e terminou de forma abrupta, toda produção de TV nos Estados Unidos começou a mudar e os seriados, antes meros passatempos temáticos com gêneros bem estabelecidos (como o próprio conceito de sitcom, a "comédia de situação"), se tornaram obras autorais, com nível de complexidade mais exigente que o cinema. Twin Peaks abriu um caminho que foi percorrido por Arquivo X, Seinfeld e Buffy – A Caça-Vampiros (que, não parece, mas é bem importante), cada um contribuindo à sua maneira, para chegarmos à chamada nova era de ouro da televisão, que pariu obras como Sopranos, The Wire, Lost, Mad Men, Walking Dead, Six Feet Under, Breaking Bad, Game of Thrones. Todos estes seriam bem diferentes – outros talvez nem existissem – não fosse a série do início dos anos 90. É o que nos lembra mais um teaser da próxima temporada, que menciona indiretamente alguns destes programas:

E são tantos teasers… Além dos que já haviam mostrado o Agente Cooper em 2017 e a volta de Angelo Badalamenti à trilha sonora, a série também lançou o teaser sobre locações que eu publiquei na semana passada e este sobre os velhos personagens hoje:

Esse outro abaixo – e, presumidamente, outros – está escondido no canal do YouTube onde a série vem publicando estes teasers e só aparece para os americanos que procuram "What is the Black Lodge?" no Google.

E vão continuar surgindo novos teasers até a data da exibição do primeiro episódio da terceira temporada, dia 21 de maio, no canal norte-americano Showtime. Mas esse excesso de publicidade me preocupa.

Porque alimenta uma expectativa que invariavelmente nos leva à frustração. E várias histórias clássicas foram ressuscitadas recentemente com alarde para encontrar produções fracas (a décima temporada de Arquivo X), forçadas (a última temporada de Arrested Development) ou vazias (como os filmes mais recentes da série Alien). Claro que há exemplos bem-sucedidos do outro lado (como a empolgante ressurreição de Battlestar Galactica, a brilhante reinvenção de Westworld e os filmes mais recentes da série Jornada e Guerra nas Estrelas), mas esse incessante bumbo batido pelo marketing da empresa me causa uma sensação ruim – além da lista de novos atores da série que inclui dezenas de nomes conhecidos (Michael Cera, Monica Belucci e até o Eddie Vedder!). Isso sem contar a inevitável máquina de memes da internet, que já está ligada no tema faz tempo – e, com a proximidade da estreia, irá aumentar sua produção consideravelmente. Como esta bela recriação que ilustrador Pakoto Martinez fez para a abertura da série:

Mas essa má sensação foi embora a partir do anúncio de que Johnny Jewell, líder do grupo norte-americano Chromatics, iria tomar conta da trilha sonora da série que não fosse escrita por seu compositor original, Angelo Badalamenti. Jewell é conhecido por sintetizar tensões em teclados vintage e vozes femininas sussurradas sobre guitarras que ecoam no espaço, em diferentes bandas sendo o Chromatics, a mais conhecida delas. E para quem questiona essa escolha, ouça o disco Windswept, que ele já lançou nas plataformas digitais. Eis sua capa:

E o disco pode ser ouvido na íntegra na playlist abaixo:

Aí tudo faz sentido. Mesmo a Monica Belucci, o Eddie Vedder, o Michael Cera. Tudo se encaixa nesse ambiente bizarro chamado Twin Peaks.

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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