O problema da Virada Cultural? Michel Temer
Passei por largas avenidas e ruelas estreitas do centro de São Paulo entre as nove da noite de sábado e as cinco da madrugada deste domingo (estou velho, não aguento mais essas maratonas). O coração da cidade respirava música e sorria feliz a cada esquina. Grupos de amigos, casais, famílias e solitários – como eu – cruzavam uma cidade quase sem carros e cheia de gente numa felicidade constante, mas sem a carga elétrica tradicional das baladas ou a excitação do carnaval. Com a desculpa de passear entre um show e outro, a cidade flanava feliz como se reconhecesse a capacidade de se deslumbrar consigo mesma, cruzando olhares de estranhos e desenconhecidos sem medo ou rancor. Era como se buscasse naquela celebração coletiva a necessidade de expurgar toda a carga negativa que paira sobre o país desde antes do início deste ano.
E talvez, justamente por isso, tenha escolhido um inimigo comum, um alvo que personificava tudo aquilo que o povo na rua não queria: Michel Temer.
"Fora, Temer" era um coro que surgia constantemente, permeando as lacunas entre as músicas e em diferentes volumes. Às vezes vinha em uníssono, forte, intenso. Por outras ecoava em camadas, à medida que grupos diferentes na multidão puxavam o grito com minutos de diferença, criando ondas de urros facilmente reconhecíveis. Muitas vezes começavam quase organicamente, crescendo devagar como uma roda de samba e desaparecendo na mesma velocidade. Outras era um grito entalado na garganta gritados por grupos de amigos que só queriam ter uma causa para abraçar. E a exigência da saída do presidente postiço era o motivo perfeito para unir estes sentimentos.
Os artistas, quase em sua maioria, incitavam seu público para fazer aquela reivindicação. "Fora, Temer", "Temer Jamais" e "Vai ter luta" eram slogans vestidos em camisetas, escritos em faixas e cartazes, projetados em telões. Armandinho falou que "o brasileiro não tem o que temer" e Céu repetiu algo que ecoou nas redes sociais logo após o anúncio da ressurreição do Ministério da Cultura: "Agora devolve o governo", provocou a cantora. E o público delirava.
E era fácil de entender o motivo. Um governo que assume e, entre seus primeiros gestos, descarta a pasta da cultura como quem se livra de um supérfluo, não dança. Não vai a shows, não ouve discos, não lê livros, não assiste filmes, não frequenta museus, não vai ao teatro, não percebe que a alma de um povo é a exposta em sua expressão cultural. Ou talvez perceba, por isso joga a cultura para escanteio para não ter que lidar com a própria sensibilidade. Ignora o inefável para abraçar o funcional, o útil, o quantificável. Abandona a fé no próprio povo para se dependurar em outras crenças.
E do show dos Pin Ups para o de Armandinho com Baby do Brasil, do trio elétrico da festa Gambiarra ao tributo ao falecido Júpiter Maçã (reunindo Tatá Aeroplano, Wander Wildner, Sílvia Tape, Bárbara Eugenia, entre outros), do palco do Bixiga 70 ao showzaço da Céu, da psicodelia do Violeta de Outono ao groove da Banda Black Rio, além de assistir a um desfile de gêneros musicais que iam do indie rock ao afrobeat, da música latina à eletrônica, do samba ao hip hop, também via-se um desfile de todo tipo de gente: jovens, velhos, pobres, ricos, gays, heteros, brasileiros, estrangeiros – todos curtindo tranquilamente a noite, interrompendo a curtição apenas para bradar contra o ex-vice-presidente-interino.
Abaixo, alguns vídeos que fiz durante o evento.
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