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Por que os Rolling Stones continuam fazendo turnês?

Alexandre Matias

28/02/2016 02h53

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Fala sério: por que os Rolling Stones ainda fazem turnês? Eles não precisam de dinheiro, eles não precisam de mais fama, eles não precisam de ter ainda mais moral, eles não precisam provar nada pra ninguém. Mas ainda assim insistem em intermináveis turnês gigantescas, fazendo estádios convulsionarem de emoção reunindo cinco gerações para venerar o ethos encarnado do rock'n'roll – quatro decanos ingleses que carregam o fardo de serem a alma de um gênero universal.

Se você tentar racionalizar estes questionamentos inevitavelmente vai chegar a um beco sem saída lógico que não justificaria a insistência do grupo em seguir trabalhando, cinquenta anos depois de terem começado. Mas basta ver a forma como os quatro remanescentes se comportam no palco para entender que eles continuam fazendo isso porque precisam. Não é só porque querem, mas há algo instintivo na forma como eles dominam as multidões com os próprios riffs e rebolados que torna natural continuar fazendo o que sempre fizeram.

A apresentação que os Rolling Stones fizeram em São Paulo neste fim de semana foi o terceiro show da banda que assisti e o terceiro melhor show que vi deles. Os outros dois foram melhores por motivos alheios ao show em si. O primeiro, no primeiro show da etapa paulistana da turnê Voodoo Lounge, em 1995, foi emocionante por ter sido o primeiro momento por vê-los ao vivo – a história do rock desfilando na frente de um Brasil que ainda começava a receber shows internacionais. O segundo que vi (perdi a turnê do Bridges to Babylon em 1998), há dez anos, no Rio de Janeiro, teve o gigantismo de uma multidão assistindo a um show de graça, sem pista vip, na praia de Copacabana, que coroava um ano de uma imersão pessoal na carreira da banda, quando fui incumbido de escrever a principal matéria da volta da hoje falecida revista Bizz no ano anterior, com Mick Jagger na capa.

Uma década separa cada um destes shows – e voltando a 2016 lá está Mick Jagger requebrando e pulando como vi em 2006 e 1995. E como fazia em 1982, 1974, 1968, 1963. Keith Richards e Charlie Watts também – só as rugas e os cabelos brancos mudaram na discrição e na pegada precisa dos dois. Ron Wood, o caçula tanto na idade quanto em tempo de banda, comporta-se como tal – é o moleque da gangue, um guitarrista mais exibicionista e mais elétrico que o velho Keith, que o observa sorridente no canto do palco como professor contemplando o aluno.

É uma máquina de fazer dinheiro, mas também é um navio pirata. É uma corporação multinacional de sede móvel e logotipo onipresente, mas também é uma versão moderna e gigantesca de uma caravana de foras da lei. E o que faz a empresa Rolling Stones continuar sendo vista como uma banda de rock em vez de um parque temático em movimento é justamente a entrega que seus CEOs têm à música.

Os Glimmer Twins são versões brancas de seus ídolos negros – Mick Jagger movimenta-se como James Brown, Otis Redding e Marvin Gaye ao mesmo tempo, em que a doçura do rhythm'n'blues é substituída por uma truculência quase hooligan, quase arrogante. Keef é um monumento ao seu próprio instrumento, claro legado transatlântico de nomes como Robert Johnson, Muddy Waters e Chuck Berry, com toda a autoridade e malandragem de um velho pajé elétrico. Charlie Watts é um lorde mesmo de camiseta – e como tal não perde a pose, a fleuma e o beat. Ron Wood sola como um alquimista inventando um novo elemento, espremendo hard rock de solos de blues.

Fizeram o mesmo show de sempre – o que é sempre bom -, trocando pequenos detalhes no setlist: abriram com "Jumpin' Jack Flash", desenterraram "Wild Horses", revisitaram a pedidos a ancestral "She's a Rainbow", além de passar por números clássicos como os quinze minutos do hard blues "Midnight Rambler", o delírio soul pesado de "Gimme Shelter" (que trouxe a chuva logo que Mick cantou que "uma tempestade está ameaçando minha vida hoje", mas ela felizmente logo passou), o batuque satânico de "Sympathy for the Devil", o levante de "Brown Sugar", o gospel "You Can't Always Get What You Want" e, claro, "Satisfaction".

É o mesmo show de sempre, mas eles estão vinte anos mais velhos do que da primeira vez que os vi ao vivo. E continua impressionante.

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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