O desafio de fazer as pessoas voltarem a acreditar em "Guerra nas Estrelas"
Os números e as críticas são implacáveis ao determinar o sucesso do sétimo episódio da saga Skywalker como uma dessas raras unanimidades deste século. Mas os louros e as palmas para O Despertar da Força aos poucos vem sendo substituídos por um ceticismo súbito, como se o uso da estrutura do Episódio IV e a série de referências aos três filmes originais de Guerra nas Estrelas fossem apenas um golpe baixo para alcançar o aplauso universal. À medida em que o filme vai sendo revisto e discutido surgem reclamações sobre buracos de roteiro, coincidências forçadas e, principalmente, falta de originalidade ao apresentar a velha saga trinta anos depois.
Sim, foi um golpe baixo. Apresentar cada um dos velhos personagens individualmente, com determinada carga de dramaticidade e emoção em cada reencontro, e mostrar os novos fazendo referências a personagens antigos foi a tal escolha pela zona de segurança feita por J.J. Abrams. Todos os cenários visitados fazem referências a conhecidas locações – o gelo inóspito de Hoth, os frios corredores da Estrela da Morte, as florestas de Endor, a cantina Mos Eisley e os desertos de Tatooine estão espalhados pelo novo filme (além, claro, do espaço), bem como frases, naves, uniformes, capacetes e seres de raças diferentes. Tudo é essencialmente referencial aos pontos mais clássicos da saga e quase não há referências aos três primeiros episódios, basicamente porque a expectativa em relação ao novo episódio não era apenas a de um bom filme, mas a de um filme que pudesse apagar a má impressão que os três episódios anteriores causaram à saga.
Então foi só um golpe baixo, mas um golpe baixo precisamente calculado para que a saga pudesse recuperar o entusiasmo original dos fãs. E ninguém poderia ter sido melhor que J.J. Abrams para esse papel – afinal a filmografia da produtora de Abrams – a Bad Robot – é composta basicamente de uma coleção de filmes e séries que buscam referências em sucessos do passado para conseguir se embrenhar no imaginário popular. Lost é uma colcha de retalhos de séries de ficção científica B dos anos 50, 60 e 70, Super 8 é um remix do que funcionou melhor nos primeiros filmes infanto-juvenis da produtora de Spielberg, a Amblin, Alias é uma grande homenagem aos seriados de espionagem dos anos 70 e 80, Cloverfield é melhor do que qualquer filme do Godzilla e os filmes Missão: Impossível só começaram a ficar mais parecidos com a série original depois que J.J. assumiu a produção.
Na verdade, J.J. é um aprendiz de uma escola inaugurada pelo próprio George Lucas – que, ao lado do amigo Spielberg, começou filmando histórias que eram apanhados de citações culturais e produtos comerciais que eles consumiam quando eram crianças. Hoje na casa dos 70 anos, os dois diretores e produtores cresceram influenciados pela então novíssima cultura pop e fizeram parte da primeira geração de adolescentes que podia consumir quadrinhos, ouvir música alta no rádio, comprar discos, assistir televisão e ir ao cinema como passatempo. E quando fizeram seus primeiros filmes, reuniram tudo que gostavam de fazer quando eram moleques em grandes óperas nostálgicas em relação às suas adolescências. E nada melhor sintetiza esse apanhado de referências do que a própria trilogia original de Guerra nas Estrelas, que misturava Príncipe Valente, caubóis do velho oeste, tradições e honras samurais, Buck Rodgers e Flash Gordon, Metropolis, robôs, alienígenas e nazistas numa salada de ideias e conceitos que foi a responsável por seu sucesso.
Outros diretores mais novos seguiram os mesmos passos que Lucas em Guerra nas Estrelas e enchem suas produções de referências externas e alheias, com mais ou menos sutilezas. David Lynch, Danny Boyle, Michel Gondry, Pedro Almodovar, Guillermo Del Toro, Richard Linklater, Peter Jackson e aquele que talvez resuma este aprendizado melhor que ninguém – Quentin Tarantino, embora o próprio Tarantino não vá dar o braço a torcer ao citar George Lucas e Guerra nas Estrelas como influência. J.J. Abrams entra nesta fila como caçula dessa genealogia e com o desafio de criar um meta-Guerra nas Estrelas – uma colcha de retalhos de referências da trilogia original de George Lucas. Com o detalhe de ele ser completamente fanático pelo trabalho do criador da saga original.
É muito fácil criticar O Despertar da Força por falta de originalidade, mas imagine como seria frustrante nos deparar com cenários como os castelos, as paisagens ou as cidades dos Episódios I, II e III (o único deles citado por Abrams acontece num momento de destruição, uma metáfora tão evidente quanto a primeira frase do filme: "isso irá começar a acertar as coisas"). O desafio de J.J. Abrams não era só fazer um filme bom no universo de George Lucas, mas um filme que apagasse a má impressão da nova trilogia, que fizesse as pessoas voltarem a acreditar na saga, além de recuperar toda aquela mitologia para os dias de hoje. Num exercício parecido com o que o usuário neozelandês do YouTube Tom F fez ao recriar os três trailers da trilogia original com o mesmo tom de trailer moderno do novo episódio.
O desafio de J.J. Abrams era começar uma nova narrativa – novos personagens, novas motivações, novos cenários – a partir de tons familiares e em ritmo moderno, como os dos três vídeos acima, para que pudéssemos ter esperança para assistir aos próximos episódios.
E isso foi feito.
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