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15 anos depois da separação, os pioneiros Thaíde e DJ Hum voltam à ativa

Alexandre Matias

04/12/2015 11h29

ThaideDJHum

A dupla formada pelos paulistanos Altair Gonçalvez e Humberto Martins Arruda tem um lugar fixo na história da música popular brasileira. Com os codinomes Thaíde e DJ Hum os dois foram os responsáveis por transformar o rap brasileiro – que nos anos 80 ainda engatinhava – em uma realidade, ao surgirem como o principal nome daquele novo gênero na coletânea Hip Hop Cultura de Rua, de 1988. A dupla também é um dos artistas que mais transita entre outros grupos, numa época em que o rap era bem mais belicoso e arredio do que hoje. Por serem os pioneiros tinham um trânsito raro dentro e fora da cena hip hop. Só que quinze anos após o encontro inicial, os dois tiveram uma desavença e resolveram terminar a dupla, logo após lançar o disco Assim Caminha a Humanidade, em 2001. O reencontro era inevitável, mas levou quase outros 15 anos para acontecer, quando o Festival Meca, que acontece neste sábado em São Paulo (maiores informações no site do evento), conseguiu reuni-los para a única apresentação de Thaíde & DJ Hum após a dupla ter sido desfeita. Conversei com os dois (em separado) sobre o que pode-se esperar deste show e dá pra ver que alguma coisa vai sair disso aí…

Você se importa de falar sobre a separação?
Thaíde: Não me importo até porque não tem muito a ser dito. A separação da dupla se deu por conta da demanda de trabalhos individuais. Ficou impossível conciliar os compromissos da dupla, com os compromissos que cada um tinha que cumprir individualmente. Daí decidimos que deveríamos parar para crescermos ainda mais. Só isso.
DJ Hum: A quimica nao estava rolando mais… Após 18 anos trabalhando e compondo juntos chegou o momento das ideias serem renovadas, afinal foram 7 discos, dezenas de participações, projetos alternativos, coletâneas, sucesso e com ele situações que necessitam de tambem maturidade pra compreender.
Hoje penso que foi um desgaste causado pelo pioneirismo. Nós pagamos um preço por ter que abrir várias portas e desbravar um caminho nunca antes percorrido. Sempre éramos o "teste". Mas essa caminhada foi importante pro crescimento interior e profissional de ambos e tambem para o hip hop.

E o que vocês fizeram durante esse tempo que ficaram separados?
Thaíde:Trabalhei e trabalho muito. Continuo fazendo minhas composições e músicas. Lancei o meu primeiro CD solo em 2007 entitulado Thaide Apenas, faço TV, cinema, em 2014 lancei o EP e vídeo clipe Malandragem é Viver, estou preparando o segundo livro da minha carreira, acabei de lançar o remix Pra Cima mais vídeo clipe, e to preparando meu disco novo… Não paro de trabalhar, graças a Deus.
Hum: Comecei a desenvolver projetos relacionados a música e à indústria fonográfica. Criei um selo – Humbatuque -, montei uma banda de hip hop, o coletivo "Motiro" resposavel pelo mega hit "Senhorita" que conquistou varios prêmios, entre eles o Premio Multishow 2005. Fui consultor e produtor musical na TV Record (Turma do Gueto) entre os anos 2002 e 2004, fiz varios jingles e trilhas sonoras pra series de TV a cabo e cinema, além de remixes e produção musical para as gravadoras. Tenho um programa aos sábados na Radio 105 FM, me apresento como DJ tocando, fazendo workshop em todo o Brasil e produzindo discos e músicas pra vários artistas nos mais variados segmentos da black music. Estou finalizando meu album solo que e um projeto com DJ e banda chamado DJ Hum e o Expresso do Groove, que tem previsão de lançamento pra fevereiro de 2016, em CD e vinil.

E como rolou a reaproximação? Era inevitável?
Thaíde: Isso iria acontecer uma hora ou outra porque os fãs da dupla sempre me abordavam com esse pedido. De repente nos aparece a Meca com a ideia de nos juntar novamente e cá estamos.
Hum: No decorrer destes anos rolaram umas tentativas, mas sem sucesso. O público e nossos fãs sempre pediram algo, uma apresentação, um especial. Nas minhas festas e shows, sempre perguntam: "Quando vão tocar juntos novamente?" Sempre senti que um dia aconteceria este momento! Era inevitável, somos parte de uma história, a nova geração precisa conhecer, a galera da antiga relembrar e se orgulhar da história que ajudaram a construir.
Thaíde: Conheci o DJ Hum na antiga danceteria Archote, lá em Moema em 85 ou 86 mais ou menos, mas só firmamos a dupla em 87 na festa My Baby, no antigo teatro Mambembe.
Hum: Conheci o Thaíde atraves do Marcelinho Backspin na antiga danceteria Archorte, no Ibirapuera. Era um domingo, no ano de 1985. Ele foi o promeiro cara que vi cantar rap em portugues. Fui tocar nessa casa noturna e um amigo me apresentou pro organizador da festa, falando: 'Você viu que esse cara faz com as pickups?Ele me viu fazer scratch numa festa em Itaquera e disse que nunca tinha visto nada igual.
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O rap brasileiro mudou bastante desde que vocês se separaram. Como avaliam o atual momento?
Thaíde: Acredito que eles desempenham o rap do jeito deles, falam de coisas contemporâneas e tal. Se eu tivesse que começar a minha carreira agora, talvez faria da mesma forma que eles. Gosto e respeito essa rapa nova. Mas ouço muito rap novo falando o que as pessoas querem ouvir. Sou do tempo que o rap falava o que era preciso ser dito.
Hum: Hoje o rap está forte, tem a própria indústria e capital que se desenvolveu ao redor de toda uma cultura. Os novos artistas chegaram com ideias pra frente, inovadoras, se tornaram os próprios empresários, gerente, assessor, montaram seus estúdios, seus selos e correm atras, usam as ferramentas e tecnologias disponíveis, vão pra faculdade, aprendem outro idioma. Hoje estamos nas TVs, radios, megashows, publicidade, prêmios e festivais renomados. É o progresso que tanto brigamos pra ter. So queríamos uma oportunidade, um acesso e estamos conquistando tudo! A música, a moda, o comportamento, a educação, o marketing, política… Tudo foi influenciado pelo hip hop.
E quando digo hip hop me refiro ao rap e seus elementos relacionados à cultura de baile. Antes estávamos engatinhando, aprendendo e experimentando, somos da geração de editar na fita de rolo, aguardar meses pra uma sessão de estúdio, ter cautela com um tema ou a letra e seu conteúdo… Como conciliar o rap e estudar pra aprendermos a gerenciar a carreira artistica? Não dava! Eu mesmo só fui aprimorar o conhecimento e aprendizado no final dos anos 90. Mas a parada virou e isso é positivo… Deu certo! É uma corrente, com elos novos e antigos. E está forte.

O que podemos esperar do próximo show?
Hum: Vai ser um show old school, na pegada dos anos 90. Como era nos bailes blacks da periferia, no primeiro palco do hip hop e dividir o momento com algumas participações especiais.
Thaíde: Por enquanto, é a primeira e única apresentação, nunca se sabe.

Vocês pensam em gravar algo juntos em breve?
Thaíde: Começamos essa história juntos e assim sempre estaremos, mas gravar juntos novamente não é uma das minhas pretensões, pelo menos não no momento.
Hum: Quem sabe, né?

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

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