Pink Floyd, Kraftwerk, hip hop: bem-vindo ao universo dos Chemical Brothers
Todo artista que se preze tem seu universo particular. Um conjunto de sons, imagens, sentimentos e conceitos que reunidos traduzem a identidade daquele autor. Estes universos são divididos em dois grupos: aquele em que as influências e referências são cuidadosamente soterradas para que haja uma sensação de originalidade e aquele em que o autor escancara suas raízes musicais. Os Chemical Brothers, que roubaram a cena do Sónar São Paulo no início da madrugada deste domingo (29), pertencem ao segundo grupo.
Os três principais referenciais da dupla inglesa são o grupo conterrâneo Pink Floyd, os pais alemães da eletrônica moderna do Kraftwerk e a era de ouro do hip hop, entre sua criação em 1979 e o início do gangsta, dez anos depois. Tanto musical quanto visualmente, os Chemical Brothers habitam este universo imaginário improvável mas que eles conduzem com uma admirável maestria. Do Pink Floyd sampleiam atmosferas psicodélicas, andamentos lúdicos e projeções visuais que contempla a natureza e cores vivas. Do Kraftwerk usam timbres analógicos, graves sintéticos que ricocheteiam entre os ouvidos e o imaginário robótico. Do hip hop dos anos 80, além dos beats acelerados e dos refrões falados, também usam a dança como elemento visual. Este conjunto de referências é a chave para começar a viagem de som e luz que os "broders" nos propõem.
A lotação do Espaço das Américas, que sediou a noite de atrações musicais da fraca edição deste ano do Sónar São Paulo, estava longe de atingir a metade de sua lotação até a hora do principal show da noite, quando as pessoas começaram a chegar em bando. A atmosfera do festival era apática e o DJ que tocou antes da dupla inglesa, o francês Brodinski, suava para conseguir fazer o público engatar. Mas bastou a dupla ligar as máquinas – e deixar o eco com o título da faixa "Surrender" soar pelo local – que todas as atenções se voltaram ao palco.
Era uma noite especial, pois marcava a volta de Ed Simons aos palcos. Ele abandonou os shows dos Chemical Brothers no ano passado para dedicar-se aos estudos e a versão ao vivo da dupla passou a ser reduzida à presença de Tom Rowlands e às imagens de Adam Smith, mesmo com Simons continuando produzindo e compondo músicas e discotecando com Rownlands ocasionalmente. Uma brecha na agenda do hoje acadêmico permitiu que Ed pudesse voltar aos palcos e junto com Tom começou a transportar o público para sua dimensão particular.
O show abriu sem ressalvas, com o hit "Hey Boy Hey Girl" mostrando serviço desde o primeiro minuto e fazendo o público delirar. Por serem compositores e DJs, os Chemical Brothers sabem encaixar suas músicas umas nas outras, além de recriar, mesmo que por breves trechos, o clima de canções conhecidas. No palco, os dois não param quietos e o tempo todo giram botões, mexem em alavancas e apertam teclas que disparam samples, distorcem graves e médios, filtram os vocais. A agitação dos dois junto a mesas de som, samples e sintetizadores é contagiante e quem consegue vê-los no palco percebe o quanto eles gastam de energia em apenas um show. Atrás deles, gotas de tinta, elefantes, borboletas, corpos dançando e osciloscópios ajudam a trazer referências visuais no telão. Entre a dupla e o público, um show de iluminação que, entre lasers, estrobos e holofotes, traduzem a alma das músicas em banhos de luzes.
O rosário de hits seguiu por "EML Ritual" e depois descambou em "Do it Again" que entrou perfeita na nova "Go" que misturou-se tranquilamente em "Swoon" que chegou em "Star Guitar" (com um miolo improvisado meio disco music, um das várias surpresas pelo percurso – aquele tecladinho matou…) e por aí vai. "Setting Sun" começou sobre a base de "Out of Control" logo após uma dobradinha com a nova "Sometimes I Feel So Deserted" e a velha instrumental "Chemical Beats". e descambou na irresistível "Saturate", que inaugurava a segunda metade do show.
Esta começou com o choque "Elektrobank", em que Tom Rowlands distorcia a única frase da música quase instrumental: "Who is this doing this synthetic alpha beta type of psychedelic funky?" – "Quem está fazendo essa tipo alfa beta sintético de funk psicodélico?" para em seguida descambar na agressiva "I'll See You There", ornada por motivos orientais, e outras do mesmo calibre, como "Escape Velocity" e "Believe", em que o vocal de Kele Okereke, do Bloc Party, foi reduzido a apenas o título da música.
A dupla parou para colher aplausos, deixou o silêncio chegar para tirar lentamente a hipnótica "The Sunshine Underground" da cartola, um mosaico psicodélico em forma de catedral de som, num dos grandes momentos da noite. Aì o jogo já estava ganho e a plateia ensandecida. Dali a dupla passou por "Don't Think" e uma "Under the Influence" virada do avesso, que funcionou como deixa para dois enormes robôs de brinquedo aparecerem nas laterais do palco. Os graves estavam cada vez mais altos, assim como o volume e a animação do público. Antes de encerrar a noite com pedradas inevitáveis como "Galvanize" e "Block Rockin' Beats", ainda tocaram "The Test", citaram a colaboração com Wayne Coyne, dos Flaming Lips ("The Golden Path"), e resgataram a clássica "Music: Response". Com quase duas horas de show, os Chemical Brothers roubaram o Sónar São Paulo para eles – e transformaram o festival em seu próprio universo musical.
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