E se os terroristas tiverem escolhido um show de rock de propósito?
As imagens abaixo são assustadoras por serem corriqueiras. Elas foram registradas e publicadas pelo celular de Tuesday Cross, namorada de Jesse Hughes, um dos guitarristas da banda norte-americana Eagles of Death Metal. Tuesday faz uma cobertura informal dos shows da banda de seu namorado usando o aplicativo Periscope, que permite que os registros sejam transmitidos ao vivo, e circula por diferentes pontos da casa de show, enquanto conseguimos ver e ouvir o grupo apresentando-se e saudando o público com frases clichês de banda de rock.
O que torna o vídeo (na versão acima editado pelo New York Post) tão banal em algo perplexo é que a apresentação filmada aconteceu na casa de shows parisiense Bataclan, palco do pior atentado terrorista desta década na Europa, na última sexta-feira, onde uma centenas de fãs foi assassinada de forma brutal. Sem o massacre que não foi filmado, a transmissão mostra cenas que todos já vimos e vivemos e que ganham uma proporção desalentadora justamente por seu aspecto cotidiano.
A sensação de angústia ganha contornos mórbidos quando uma série de curiosidades e detalhes comuns são colocados à luz da carnificina. O nome da banda – Eagles of Death Metal – não quer dizer literalmente "Águias do Death Metal" ou ainda mais literalmente "Águias do Metal da Morte", mas é uma piada com a banda norte-americana Eagles – aqueles, de "Hotel California". A banda de Hughes brinca ser o equivalente dos Eagles na cena de death metal, só uma piada irônica. A ironia vai além com os gritos de saudação ao rock e à noite que ouvimos vindo do palco para o público e termina com uma versão para uma música do grupo Duran Duran – "Save a Prayer", cujo refrão fala em lembrar-se de rezar por alguém na manhã seguinte. É tudo irônico mas tornou-se tétrico após o acontecimento fatal.
Não duvide que os terroristas tenham escolhido este show de propósito – ao atacar a apresentação de uma banda que se batiza com um nome desses, ainda mais numa sexta-feira 13, os assassinos reforçam os clichês de como os muçulmanos veem a cultura ocidental. Uma cultura que, querem nos fazer acreditar, cultua o pecado e a heresia.
O terrorismo pode ser aleatório e vingativo, impulsivo e sem sentido, mas ele também pode ser frio e calculista, preciso e cirúrgico. Neste segundo caso, tudo pode ser usado como símbolo e como representação. O ataque aconteceu em Paris não por outro motivo. Usou um estádio de futebol e um show de rock também como um ataque iconográfico, como já havia acontecido no início do ano no ataque à redação do Chalie Hebdo.
Atacar a apresentação de uma banda de rock chamada Eagles of Death Metal tem um propósito parecido com o ataque ao tabloide de humor barra pesada. Querem polarizar ainda mais a discussão, não apenas atacando o centro de uma civilização como fazendo-a odiar outra. Associar o Islã ao terrorismo é equivalente a associar a Igreja Católica à pedofilia, esquecendo convenientemente países muçulmanos em que as mulheres podem ser eleitas e que os direitos civis são respeitados.
Um gesto terrorista num show de rock inevitavelmente trará questões sobre segurança nos shows, causará inconvenientes e tornará as apresentações ao vivo ainda mais burocráticas. É um ataque às nossas liberdades, que educadamente abrimos mão em prol da segurança de todos, vivendo em uma sociedade de controle cada vez mais rígido. Mas também é uma forma de distorcer clichês e nos fazer acreditar em verdades falsas. O Estado Islâmico é conhecido por saber lidar com esse poder midiático e embora não tenha nenhum ícone tão forte quanto Osama Bin Laden (talvez de propósito), distorce o inconsciente coletivo para que os extremos fiquem ainda mais radicais.
Cuidado redobrado neste estranho 2015 que finalmente vem chegando ao fim.
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