75 Rotações recria discos clássicos com novos artistas brasileiros
E já batem quatro anos que o site Radiola Urbana dedica-se a comemorar discos clássicos de quarenta anos atrás reinterpretados por novos artistas brasileiros. A homenagem começou despretensiosa, a partir da constatação de que o ano de 1972 era rico em lançamentos clássicos que fez os donos do site pensarem em uma série de shows com artistas brasileiros recriando tais discos. Foi criado o 72 Rotações que, a partir de maio de 2012, reuniu nomes como Bruno Morais tocando Sonhos e Memórias de Erasmo Carlos, Curumin tocando A Harder They Come do Jimmy Cliff, Rodrigo Campos recriando o Superfly de Curtis Mayfield e Rômulo Fróes fazendo o Transa de Caetano Veloso.
O projeto deu certo e virou anual, saindo do Centro Cultural da Juventude na Vila Nova Cachoeirinha para o Sesc Santana e já teve Cidadão Instigado tocando Pink Floyd, O Terno tocando Arnaldo Baptista, Emicida tocando Cartola, Céu tocando Bob Marley, Fred Zero Quatro do Mundo Livre S/A tocando Nelson Cavaquinho, Karina Buhr tocando Secos e Molhados e o projeto paralelo da Nação Zumbi Sebosos Postizos tocando Jorge Ben, sempre fazendo discos quarentões na íntegra, quase sempre na mesma ordem – e a cada ano o projeto muda de nome de acordo com o ano homenageado. O 75 Rotações, a edição deste ano, tem o primeiro artista repetido, quando o site convidou Rodrigo Campos para recriar o disco de estreia de João Bosco, Caça à Raposa, no primeiro dia do evento, nesta quinta-feira. Na sexta, Anelis Assumpção atravessa Legalize It de Peter Tosh. No sábado é a vez do Vanguart cruzar um dos discos mais clássicos de Bob Dylan, Blood on the Tracks. E no domingo, dia 9, Nina Becker e a banda carioca Do Amor encarnam Rita e o Tutti-Frutti para reviver o clássico Fruto Proibido. Os shows começam sempre às 21h e eu conversei com os criadores do site, os jornalistas Ramiro Zwetsch e Filipe Luna, sobre o quarto ano do projeto.
Quais foram os desafios da edição deste ano?
Filipe: Acho que todo ano o maior desafio é saber qual vai ser a cara do projeto. Por exemplo, no ano passado, ficou muito claro desde o começo que os destaques eram discos brasileiros, sem dúvida. Este ano, a gente decidiu optar por uma diversidade maior de gêneros e artistas que dessem um panorama mais completo do próprio ano de 1975, além de ser uma característica da Radiola Urbana. Então, conseguimos contemplar nesta edição: MPB, sendo o João Bosco um nome que despontava com categoria naquele momento; folk rock, homenageando talvez o maior álbum de um dos maiores nomes da música americana; reggae, só que dessa vez com um disco bem menos mainstream que os outros que já estiveram no projeto, mas não menos importante; e rock brasileiro, no disco que marca a transformação de Rita Lee numa estrela de fato, com alcance popular absurdo, sem perder a criatividade e originalidade de sua carreira. Depois disso vem a parte mais legal que é olhar lá de fora dessa árvore genealógica musical quem está aqui na ponta dos galhos que tem a ver com esses discos que estão mais perto do tronco – viajei na metáfora. Aí também a gente tenta mostrar a diversidade que a gente curte aqui na Radiola Urbana. Achar esse equilíbrio entre os discos que a gente gosta, os artistas que a gente gosta e que fariam bem essas reinterpretações é sempre o maior desafio.
Alguém ficou de fora?
Ramiro: Olha, como no ano passado, tentamos chamar a Tulipa Ruiz, mas ela estava focada no lançamento do seu terceiro disco – algo que já prevíamos. Gostamos muito dela, canta muito realmente e tem uma veia pop – nas composições e na performance, principalmente – que é rara entre os artistas desta geração que admiramos. Da parte dela, ao que parece, também há interesse em participar do projeto e já temos um disco na cabeça pra oferecer pra ela no ano que vem. Tomara que role! Como todo ano, alguns discos também ficaram de fora. Entre os brasileiros, chegamos rápido ao consenso de que Fruto Proibido e Caça à Raposa seriam ideais para representar a diversidade que tínhamos por aqui nos anos 70: um clássico do rock nacional pós-tropicália e outro que trouxe uma novidade ao samba — critérios parecidos aos que nos levaram a Nelson Cavaquinho e Secos & Molhados no 73 Rotações. Entre os gringos, voltando a falar do 75, cogitamos seriamente Horses, da Patti Smith, e Mothership Connection, do Parliament. O projeto está em falta com o funk, precisamos "corrigir" isso em algum momento (ri). Você mesmo nos sugeriu o Physical Graffiti, mas achamos complicado por ser um disco duplo e muito peculiar do som do Led Zeppelin — com aquela mistura de faixas acústicas e outras pesadíssimas, difícil de imaginar alguém para fazer as versões.
O projeto está indo para o quarto ano. Que balanço vocês fazem destes quatro primeiros eventos?
Filipe: Acho muito bom poder ver algumas repercussões do projeto na carreira dos próprios artistas. Sei lá, por exemplo, Céu, Cidadão Instigado e Karina Buhr, fizeram turnê por um ano ou mais – acho que fazem até hoje, se houver quem chame – dos shows que lançaram no Rotações. A gente vê, por exemplo, que empolgou o Rodrigo Campos a tocar guitarra pra fazer um show numa versão embrionária do Rotações, lá em 2012. Ou ver Emicida e Thiago França mandando uma versão sinistra de "Preciso me encontrar", do Candeia. Acho que a gente atingiu objetivos que nem estavam tão desenhados na nossa cabeça quando criamos o projeto: resgatar a música que a gente ama em álbum numa apresentação ao vivo que nossa geração não teve a oportunidade de ver, colocar essa música em diálogo com o contemporâneo e ver as repercussões que estudar uma obra de 40 anos atrás pode ter na carreira dos artistas. É muito foda ver que algo que nasce de um desejo quase egoísta nosso, colecionadores de disco que queriam ouvir aqueles discos ao vivo, pode repercutir de forma criativa no trabalho de outros.
Vocês estão registrando esses shows? Pretendem reempacota-los de alguma forma?
Filipe: Temos registros em vídeo de todos os shows feitos no Rotações até hoje. Apenas alguns do primeiro evento, o 72 Rotações, não tem um registro de áudio bom o suficiente para um lançamento. Está nos nossos planos levantar dinheiro para editar os shows na íntegra. A primeira ideia é disponibilizar isso na internet mesmo, gratuitamente. De repente, podemos pensar em algum lançamento físico, mas não sei se isso ainda faz sentido hoje em dia.
Para o ano que vem, além dos discos de 76, vocês pretendem fazer os de 66 como haviam previsto anteriormente?
Ramiro: É sempre uma ideia, todo ano pinta. Afro-Sambas e Revolver são de 1966, por exemplo, os dois primeiros que me vieram à mente e extremamente desafiadores a possíveis intérpretes. Mas ainda não desistimos em fazer algo relacionado aos 50 anos do A Love Supreme em 2015. Falamos do assunto na Radiola Urbana – tem um texto e um podcast publicados lá sobre isso. Temos o segundo semestre inteiro pra tentar viabilizar isso e eu quero muito que aconteça.
Haverá alguma comemoração diferente nos cinco anos do projeto?
Ramiro: Opa, não tínhamos pensado nisso ainda. Valeu a sugestão. De repente, uma programação reunindo alguns dos shows já realizados nestes anos desde 2012.
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