Mais um mito sendo forjado nos cinemas: Steve Jobs
Comentei sobre como os mitos modernos vêm sendo forjados atualmente em documentários quando falei sobre as obras de 2015 que recontam as tragédias das biografias de Kurt Cobain e Amy Winehouse, mas estes novos mitos não dependem apenas da narrativa documental para consolidar reputações no inconsciente coletivo – e as inevitáveis biografias filmadas ("biopics" segundo o neologismo em inglês) são uma das fórmulas mais manjadas para produzir um filme que tenha um público-alvo bem definido.
Por isso não é surpresa que a história de Steve Jobs já esteja em seu segundo filme em menos de cinco anos da morte do biografado: depois do infame Jobs em que Ashton Kurchner vive o pai da Apple em seus dias de fuga da universidade, o novo Steve Jobs reúne grandes forças de Hollywood para contar um épico à altura do nome do empresário. O filme é dirigido pelo inglês Danny Boyle (Trainspotting, A Praia, Extermínio), é escrito pelo mesmo Aaron Sorkin que escreveu o filme de David Fincher sobre o criador do Facebook e que tocou séries emblemáticas sobre jornalismo (Newsroom) e política (West Wing) nos EUA, baseado na sisuda e completa biografia oficial que Walter Isaacson publicou logo após a morte de Steve Jobs. No elenco, nomes conhecidos como Michael Fassbender (o próprio Jobs), Kate Winslet, Seth Rogen e Jeff Daniels. O primeiro trailer dá o tom dramático que deve pairar por todo o filme.
A diferença é que Steve Jobs não era um popstar como Kurt e Amy, anjos erráticos e apaixonados por sua arte que se atiraram sem rede de segurança no jogo pesado do entretenimento. Jobs é arquiteto deste mesmo jogo pesado e mudou a história da cultura recente pelo menos cinco vezes, com a introdução do computador pessoal, a fundação da Pixar, o iPod, o iPhone e o iPad. Suas obras não eram compostas a partir de seus sentimentos em frangalhos, eram justo o oposto disso: produtos e serviços que miravam virar objetos de desejo em seus consumidores a ponto de transformar uma marca em religião. Jobs é um executivo popstar, mas acima de tudo um executivo.
Por isso um documentário não seja tão atraente quanto um filme inspirado em sua vida, mesmo porque até os piores podres – e Jobs, claro, tinha os seus – podem ser aliviados no mundo da ficção. Um filme que consiga recriar momentos cruciais da biografia de Jobs com direção firme e diálogos afiados ajuda não apenas a lustrar a reputação da marca que o executivo criou e deixou como legado, mas a crença nos valores de um universo que desperta paixões mais motivadas por dinheiro do que por conhecimento ou cultura. Até a biografia de Zuckerberg – um nerd antissocial que mal conseguia falar além de linhas de código – torna-se interessante e o retrata como um modelo a ser seguido, mesmo com seus defeitos, que não são poucos.
É questão de tempo para que outros magos da era da computação possam eles mesmos ganhar suas próprias cinebiografias – como aconteceu no ano passado com o Alan Turing vivido por Benedict Cumberbatch em O Jogo da Imitação. O que não faltam são candidatos a biografados. Mas a tendência principal é apostar em executivos bem sucedidos que souberam fazer suas empresas ganhar dinheiro, criando novos valores e novos heróis para um novo século. Imagine um filme sobre a história do Google. Ou do YouTube. Uma biografia de Bill Gates retratado como anti-herói – a foto dele sorrindo ao ser fichado na delegacia por dirigir uma Ferrari em alta velocidade daria um belo poster e o personagem poderia ser vivido por esse menino do Whiplash (o Miles Teller, que faz essa série Divergente) e por Gary Oldman em seus dois momentos de vida: o nerd milionário e o executivo filantropo.
Pode prestar atenção: o culto a certas figuras do mundo dos negócios digitais está mais relacionado aos negócios do que ao mundo digital.
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