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"X-Men: Apocalipse" é mediano, mas acerta o prumo para os próximos filmes

Alexandre Matias

18/05/2016 22h58

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Não dá para tirar o título de Brian Synger: foi ele quem inaugurou a era de ouro dos super-heróis no cinema que vivemos atualmente. Com seu primeiro X-Men, no ano 2000, ele conseguiu fazer o público se interessar por filmes de heróis que não eram tão emblemáticos como Batman e Super-Homem mas que já estavam no inconsciente coletivo, mesmo que Hollywood teimasse em não ver. Para isso, teve de sacrificar uma série de referências originais dos quadrinhos para que o filme tivesse um ar de filme de ficção científica que pudesse ser entendido por leigos que nunca leram um gibi, viram um desenho animado ou jogaram um videogame com aqueles heróis.

Deu certo. Tanto que o sucesso do primeiro X-Men abriu a porta para o Homem-Aranha de Sam Raimi e para duas outras continuações da própria grife, uma dirigida pelo próprio Singer (X-Men 2, de 2003) e outra por Brett Ratner (o decepcionante X-Men: O Confronto Final, de 2006). Esses filmes pavimentaram o caminho para a Marvel transformar-se em um estúdio de cinema e criar o universo coeso e amarrado inaugurado pelo primeiro filme do Homem de Ferro, em 2008. Depois de patinar com o maior super-heróis de todos no esforçado Superman: O Retorno, Singer voltou para os mutantes produzindo o ótimo X-Men: Primeira Classe, dirigido por Matthew Vaughn em 2011, e depois dirigindo-os em 2014 no ousado X-Men: Dias de um Futuro Esquecido. Com o novo X-Men: Apocalipse, que estreia essa semana no Brasil, ele conclui o desvio de rota que propôs há quatro anos, quando começou a reescrever a história do grupo de heróis para um mundo acostumado com o padrão estabelecido pelos 13 bons filmes que a Marvel produziu.

A partir daqui comento o novo filme com alguns spoilers, nada que vá tirar a surpresa dos melhores momentos da produção, mas se você não quiser saber nada sobre o X-Men: Apocalipse (que é o melhor jeito de assistir a um filme) sugiro que embace a vista e aproveite os gifs abaixo para não ler algo que não queira saber. Mas vale antecipar que, se você não acompanha quadrinhos, o novo filme é só OK.

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Não que ele seja muito melhor caso você acompanhe a saga dos mutantes fora do cinema. X-Men: Apocalipse sofre de vários defeitos que os filmes de super-herói – e as superproduções hollywoodianas em geral – vem sofrendo nos últimos anos. A história é simplória, o roteiro é fraco, o vilão é pouco desenvolvido, as cenas de destruição são sempre épicas, há personagens demais, os efeitos especiais são exagerados, a trilha sonora é sempre grandiosa, a duração é maior do que deveria. Mas não é um filme ruim. Esses defeitos também estão presentes nos três principais filmes de herói de 2016 (Batman vs Superman, Capitão América: Guerra Civil e Deadpool) e cada um deles desvia para um rumo completamente diferente graças às suas qualidades (ou, no caso do filme de Zack Snyder, na falta delas). E Bryan Singer aproveita-se das suas.

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O principal trunfo do filme é o elenco. Armado em X-Men: Primeira Classe, o time de atores encabeçado por James McAvoy (o professor Xavier), Michael Fassbender (Magneto) e Jennifer Lawrence (Mística), mantém alguns talentos dos filmes anteriores (como o Mercúrio de Evan Peters, o Fera de Nicholas Hoult e a volta da Moira MacTaggart de Rose Byrne) e escolhe bem os novos mutantes: Tye Sheridan tem a inocência indignada exigida por Ciclope, o Noturno de Kodi Smit-McPhee faz jus à boa versão do personagem vivido por Alan Cumming em X-Men 2, Alexandra Shipp carrega no olhar juvenil a majestade da Tempestade que era Halle Berry. O excesso de personagens, no entanto, reduz a ótima escalação da querida Olivia Munn como Psylocke a uma mera coadjuvante sem texto de cenas de ação (o que também acontece com o Anjo de Ben Hardy e o Destrutor de Lucas Till) e faz a Jubileu vivida por Lana Condor virar praticamente em um easter egg no filme.

O elenco também é responsável por dois defeitos do filme. O ótimo Oscar Isaac, escalado como o vilão que batiza o filme, simplesmente não atua. Soterrado em uma maquiagem exagerada, um figurino de escola de samba e falas quase infantis, seu Apocalipse é um zero à esquerda como personagem. O início épico do filme, que se passa no Egito antigo, dá a impressão de apresentar um antagonista todo-poderoso, um deus encarnado disposto a destruir a humanidade. Mas o que surge é um vilão de seriado japonês ruim caracterizado como um… palhaço mal humorado. Mesmo que Oscar Isaac quisesse, ele não conseguiria deixar sua marca em um personagem tão raso. A outra decepção é Jean Grey de Sophie Turner, que parece ter apenas uma expressão, seja conhecendo seu futuro namorado ou exercendo seu poder avassalador. Ela nem começa a se esforçar para chegar aos pés de Famke Janssen, a Jean Grey da encarnação anterior da Fênix nos primeiros três fllmes.

A história é batida: aparece um vilão disposto a destruir tudo, junta-se uns heróis espalhados para derrotá-lo e no final tudo dá certo. Ao contrário de Capitão América: Guerra Civil, a única função de cada um dos personagens é ir em direção à essa cena final. Não há histórias paralelas, não há subtextos que podem ser revelados no final. No máximo as referências aos anos 80, década escolhida para ambientar o novo filme. É um roteiro de desenho animado que passa na TV, só que superproduzido, com um bom elenco e boa direção.

A direção é, sem dúvida, outro trunfo do filme. É ela que nos faz engolir a história principal (a única?) como se ela tivesse alguma complexidade, é ela que nos faz suportar o fraco vilão e que segura bem algumas cenas mais marcantes. Uma delas é a repetição da cena com Mercúrio no filme anterior, que é tão divertida quanto a do filme anterior, embora mais longa e menos surpreendente (porque já sabemos como a cena funciona, inclusive suas sutilezas e piadas internas). A outra é a vingança de Magneto a uma tragédia pessoal, uma boa amostra de como um filme de super-herói pode ter a força das histórias em quadrinhos sem precisar apelar para cenas de destruição em massa, explosões ou confrontos megalomaníacos. A cena com Hugh Jackman – que, arrá, ainda não é Wolverine – também é muito boa, mas foi estragada ao ter sido antecipada no último trailer.

Com todos esses altos e baixos (transformar Magneto em coadjuvante é outro pecado mortal do filme), X-Men: Apocalipse, no entanto, consegue acertar o prumo para o próximo passo. Singer encerra a segunda trilogia dos mutantes não apenas trazendo-os de volta para o mundo dos quadrinhos, mas armando tudo para que o sétimo filme da saga nos apresente ao grupo em sua fase clássica. O professor X perde os cabelos, Noturno, Fênix, Tempestade e Ciclope já estão lá, Wolverine está prestes a entrar em cena e um ambiente conhecido dos fãs dos quadrinhos é apresentado quase no final do filme. A própria cena após os créditos não vai dizer nada se você não acompanhava os X-Men fora do cinema, mas é um recado claro para os fãs do grupo – agora eles devem entrar na fase clássica dos mutantes sem precisar fazer concessões ao mundo real. Na prática, eles estão dizendo adeus aos uniformes metalizados da primeira trilogia para entrar de cabeça na estética colorida e dinâmica de quando eles eram guiados pelo roteirista Chris Claremont e pelo desenhista John Byrne. Não é um filme surpreendente nem ousado como os dois anteriores (eles brincam até com isso, numa piada sobre O Retorno de Jedi), mas está longe de ser o vexame que foi Batman vs Superman.

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

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