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Será que o soberbo "A Moon Shaped Pool" é o último disco do Radiohead?

Alexandre Matias

09/05/2016 20h16

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Há um apreensão que paira sobre os fãs do Radiohead em relação a um iminente fim da banda. De tempos em tempos, especialmente quando os projetos paralelos dos integrantes da banda inglesa começam a chamar mais atenção que o normal, volta-se a discutir a possibilidade de seus integrantes não voltar a tocar juntos ou ao menos a não gravar novos discos, mas esse medo cessa logo que o grupo se reúne mais uma vez para lançar um novo álbum.

Não é algo é novo. Essa sensação de que a banda pode acabar a qualquer minuto precede inclusive a obra-prima OK Computer, o disco de 1997 que mostrou ao resto do mundo que o grupo inglês não era um mero representante do segundo escalão do britpop. Massacrados pelo sucesso de "Creep" no primeiro disco (quando eram festejados como "a resposta inglesa ao Nirvana"), o grupo – em especial seu vocalista, Thom Yorke – quase sempre dava declarações sobre a opressão do sucesso em grande escala e como aquilo acabava afetando sua produção artística. A distância de quatro anos entre seus lançamentos desde então causava uma expectativa incômoda e quase sempre era acompanhada por entrevistas em que Thom Yorke reclamava de ter de fazer shows, da rotina do showbusiness, do abismo de distância entre eles e os fãs.

Mas há pistas de um fim anunciado. O grupo acaba de lançar mais um novo disco, o soberbo A Moon Shaped Pool, que parece assinalar o fim de um ciclo. É um dos discos mais acessíveis do grupo, conhecido por exigir atenção de seus ouvintes, embora não seja um disco propriamente fácil. Triste e solene, ele apresenta um desfile de baladas, em sua maioria, que cantam um existencialismo pessimista que ao mesmo tempo soa doce e pensativo. Como havia anunciado na semana anterior com o clipe de "Daydreaming", dirigido por Paul Thomas Anderson, o novo disco do Radiohead espalha uma sensação de sonho que pode virar pesadelo por quase todas suas 11 faixas.

O pesadelo, no entanto, nunca chega. A sensação anestesiada dos vocais de Thom Yorke é pouco a pouco recoberta pelas cordas lânguidas escritas pelo guitarrista Jonny Greenwood, especialidade que vinha treinando nas trilhas sonoras dos filmes do próprio PTA, e até por instrumentos acústicos, jogando sobre A Moon Shaped Pool uma inesperada luz solar sobre uma banda acostumada a contrapor o calor emocional à claustrofobia sonora. A eletrônica que sempre acompanhou o grupo desta vez fica na ribalta, nos detalhes, e o grupo foge dos malabarismos percussivos que eram característicos do disco anterior, The King of Limbs, de 2011. E as guitarras, quase ausentes neste álbum mais recente, voltam a brilhar, embora sem a pegada rock que é uma das características do grupo. A Moon Shaped Pool é, de longe, o disco menos rock do Radiohead.

As letras, como sempre, nunca são diretas, mas aqui elas estão bem claras, abordando temas caros à banda, como conformismo e alienação, paranoia e insegurança, amor e tristeza, esperança e desespero, que podem ser entendidos em diferentes contextos. Há a recorrente desilusão com a sociedade de consumo mas há referências abertas ao aquecimento global e à destruição dos recursos naturais (o título do disco e sua capa enigmática seriam referências a isso), mas há também várias músicas que falam sobre o fim de um ciclo, o que pode ser uma clara referência ao fim do casamento de Thom Yorke, no final do ano passado. Yorke, com 47 anos, ficou 23 anos casado, o que faz que ele repita "metade da minha vida" de trás pra frente na faixa "Daydreaming". Mas ele está falando do casamento ou da própria banda?

Outra pista que indicaria que o grupo gravou seu último disco é o esgotamento de quase todas as músicas inéditas que já haviam sido apresentadas em shows. Apenas três músicas no novo disco nunca haviam sido ouvidas em versões ao vivo – "Decks Dark", "Glass Eyes" e "Tinker Tailor Soldier Sailor Rich Man Poor Man Beggar Man Thief" ("Burn the Witch" e "Daydreaming" deram as caras na semana de lançamento do disco) -, o que significaria que o grupo está encerrando seu próprio repertório. A ordem das faixas do novo disco é alfabética, o que faz que sua última música seja "True Love Waits", uma música que o grupo tocou pela primeira vez ao vivo em 1995.

Ao encerrar o disco com uma versão definitiva para uma balada de cortar o coração, o Radiohead pode estar também agradecendo aos fãs por ter acompanhado o grupo até ali. "O verdadeiro amor espera", diz o título da faixa, que termina com os versos "Não se vá". É também a centésima música de estúdio da carreira da banda.

Mesmo que não seja seu último disco (torço que não seja), A Moon Shape Pool entra para a discografia da banda como seu disco mais maduro e mais apaixonado, mesmo que estas paixões venham corroídas. É um disco suave e tenso ao mesmo tempo, de sonoridade grandiosa recolhida em pequenos frascos de som. Por vezes soa folk, por outras árcade e o tempo todo nos conduz com o coração. Mais um disco perfeito produzido por uma banda que segue no auge há vinte anos.

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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