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"Cloverfield 2": Como J.J. Abrams manteve esse segredo e o que vem por aí?

Alexandre Matias

18/01/2016 14h10

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J.J. Abrams ainda está surfando na onda do sucesso do sétimo episódio de Guerra nas Estrelas, mas isso não quer dizer que ele esteja apenas colhendo o que plantou. O incansável nerd não deixou nem retomarmos o fôlego após O Despertar da Força e anunciou, quase como quem não quer nada, um trailer de mais uma de suas produções, que deve estrear em dois meses.

10 Cloverfield Lane carrega o título do melhor filme de monstros deste século (desculpa aí, Pacific Rim), Cloverfield, também produzido por Abrams e dirigido pelo novato Matt Reeves. O filme de 2008 segue um grupo de amigos, interpretados por atores anônimos, que foge pelas ruas de Nova York depois que um monstro gigantesco começa a passear pela cidade. Filmado em primeira pessoa, Cloverfield é um exercício de cinema ao usar uma câmera de gravação como recurso narrativo – na verdade, no universo do filme, a história daqueles amigos – que também conta uma história de amor – é arquivada como um dos inúmeros registros da aparição do monstro, como prova confidencial do governo norte-americano.

Mas Cloverfield não era só um filme de monstro. O filme em si foi o início da conclusão de um ARG (sigla em inglês para "jogo de realidade alternativa") armado antes do anúncio do primeiro trailer do filme. A produção havia criado sites e vídeos contando histórias que envolviam uma corporação japonesa, ativistas ecológicos e um estranho milk shake, tudo fictício. Segundo essa história, a empresa Tagruato havia descoberto algo no fundo do mar que estaria ligado à criação do milk shake Slusho!, uma descoberta que estava desequilibrando o ecossistema, como acusavam os ativistas do grupo T.I.D.O. Wave.

A relação entre estes acontecimentos pareciam de alguma forma ter algum vínculo com o filme, como se o monstro tivesse sido despertado pelas perfurações da Tagruato ou a partir da falta dessa substância que, teoricamente, seria a base de uma guloseima que começava a ser popular. Tudo isso já estava online quando soubemos do primeiro trailer de Cloverfield. E uma vez que o filme foi lançado, algumas pontas do jogo haviam ficado soltas, o que levou muita gente a especular sobre uma sequência para o filme, cujo final é deixado propositadamente em aberto. Mas todos os envolvidos diziam que haveria uma continuação, mas não logo. Enquanto isso, Matt e Abrams, que haviam se conhecido na época da primeira série de J.J., Felicity, seguiram seus rumos tocando filmes de sucesso – Reeves com a versão americana para Deixe Ela Entrar e os novos filmes da saga O Planeta dos Macacos e Abrams com Missão Impossível, Jornada nas Estrelas e Guerra nas Estrelas.

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Até que, quando ninguém esperava, Abrams saca o coelho da cartola. Da mesma forma como o primeiro trailer de Cloverfield, o de 10 Cloverfield Lane (que em português é chamado de Rua Cloverfield, 10) apareceu sem alarde na estreia de um filme de Michael Bay – em 2007 veio antes do primeiro Transformers, em 2016 antes de 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi.

O trailer do novo filme é bem diferente do original, embora haja semelhanças estruturais, como o logo da produtora Paramount e a forma como o nome do produtor aparece. Mas não há nenhuma outra referência direta ao primeiro filme a não ser o nome dele dentro do filme, apresentado o que seria o nome-código do monstro (até hoje ninguém explicou o porquê deste nome, tirando o fato de ser uma rua no caminho do escritório de J.J.) dentro de um endereço. Os produtores explicaram que o filme não é propriamente uma sequência, mas "cossanguíneo" em relação ao primeiro Cloverfield.

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Mas impressiona o fato de que J.J. Abrams tenha conseguido fazer um filme que pode se tornar um blockbuster inesperado (como o primeiro filme, que tornou-se o filme que mais faturou a estrear em janeiro até o mês de sua estreia) sem chamar atenção de ninguém. Se 10 Cloverfield Lane seguir os passos de seu antecessor, ele pode abrir a temporada de hits nos cinema de 2016 antes do principal favorito até então – a estreia no cinema da fase 3 da Marvel, que lança o terceiro filme do Capitão América, Guerra Civil, em abril. Sem fazer o menor alarde, J.J. Abrams revelou ao mundo a existência de um filme que ninguém imaginava existir e anunciou sua estreia para daqui a dois meses, em março.

Muitos fatores facilitam este novo golpe de mestre e o principal deles é a história contada. Como vimos no trailer, não assistimos à destruição em larga escala, explosões nem mesmo a cenas ao ar livre, como acontecia no anúncio do primeiro filme (com a já clássica cena da cabeça da Estátua da Liberdade caindo do céu e sendo recebida por um "OH MY GOD" desesperado). Tudo ocorre dentro de um mesmo ambiente, um mesmo cenário, que só muda nas últimas cenas, quando uma das personagens consegue escapar. Ao trabalhar com atores famosos em um único cenário,. os produtores do filme conseguiram deixar quaisquer especulação de fora do alcance dos bisbilhoteiros de plantão.

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Mary Elizabeth Winstead (a Ramona do Scott Pilgrim) John Gallagher Jr. (um dos repórteres da série The Newsroom) e John Goodman (você sabe quem é John Goodman, nem vem) entraram no elenco de um filme cujo título de trabalho era apenas Valencia e cuja sinopse contava que "ao acordar de um acidente de carro, uma jovem se encontra no porão de um homem que diz ter salvo a sua vida de um ataque químico que deixou tudo lá fora inabitável." Nada que indique alguma relação com um filme de monstro. O diretor também não chamava atenção: 10 Cloverfield Lane é a estreia de Dan Trachtenberg, que havia dirigido apenas os curtas More Than You Can Chew e Portal: No Escape.

Ao fazer isso, J.J. Abrams traz para o cinema uma tendência que já tinha se estabelecido na música pop. Artistas de diferentes gêneros musicais e dimensões de mercado resolveram a questão do excesso de expectativa e na briga por atenção ao simplesmente chegar com um disco pronto ou anunciá-lo apenas dias antes de seu lançamento. Beyoncé, Radiohead, Daft Punk, David Bowie, My Bloody Valentine e Aphex Twin são alguns destes nomes que quebraram um silêncio em sua carreira com um novo trabalho lançado sem nenhum aviso prévio, pegando fãs, críticos e o mercado de surpresa. Com música isso é mais fácil resolver por haver menos gente envolvida na gravação de um disco e pelo fato de muitos artistas terem seus próprios estúdios onde possam fazer suas experimentações longe do olhar externo.

Com cinema isso é um pouco mais complicado pela quantidade de pessoas envolvidas. Mas ao reduzir a ação para um cômodo – um bunker antinuclear -, J.J. Abrams pode tocar esse filme sem que ele fosse descoberto, enquanto distraía atenções com o Episódio VII de Guerra nas Estrelas.

10 Cloverfield Lane faz parte do mesmo universo de Cloverfield mas ao ser descrito como "cossanguíneo" abre especulações sobre qual a relação com o primeiro filme. Quanto tempo se passou desde a aparição do monstro? 10 Cloverfield Lane é o endereço do bunker? Se sim, porque ele tem o mesmo nome do primeiro filme? A aparição do monstro está vinculada ao personagem de John Goodman? O que Mary Elizabeth Winstead vê na última cena? Uma cidade destruída por uma bomba atômica? Monstros lutando? Pessoas sendo comidas vivas pelos parasitas do monstro?

Não sabemos mais nada sobre este filme, mas, como aconteceu em Cloverfield, o jogo já está armado.

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O trailer traz inúmeras referências ao que pode estar acontecendo com o filme, além de outras tantas do universo de J.J. Abrams. Uma delas é sutil: não há nada digital na casa. Até a jukebox é mecânica. O que pode indicar que haja alguma interferência externa (eletromagnética?) que poderia apagar aparelhos eletrônicos. Os passatempos jogados pelos personagens também são referências – eles comemçam jogando o Jogo da Vida (uma referência ao que eles estão fazendo) e depois montam um quebra-cabeças (uma referência ao que querem que os espectadores façam). O quebra-cabeça montado chama-se "catfish" ("bagre", em inglês), o que poderia ser uma alusão sobre o monstro, que teria vindo do mar. O tremor que se ouve em cima do bunker também é uma referência… mas a quê? É o monstro mesmo que está lá em cima ou são explosões? Quando acontece 10 Cloverfield Lane? Será que durante os acontecimentos de Cloverfield? Ao começar o trailer com a jukebox (tocando uma música que faz referência à situação, "I Think We're Alone Now" do Tommy James and the Shondells, cujo título pode ser traduzido como "acho que estamos sós agora"), J.J. Abrams repete a fórmula do início de duas temporadas de Lost – apresentando novos personagens em novos cenários enquanto eles ouvem uma música que é tocada no ambiente em que estão. Até a saída do bunker remete à escotilha de Desmond em Lost.

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E entre todas essas referências surge uma marca de bebida. O refrigerante Swamp Pop. Ele aparece em várias cenas do trailer, diga-se de passagem, mas só conseguimos ver o rótulo da garrafa se dermos pause na cena em que
Mary Elizabeth Winstead pega uma dessas garrafas para dar na cara de John Goodman:

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Fuçando a internet, descobrimos que SwampPop é uma marca de refrigerantes norte-americana que existe desde 2013 e tem site, conta no Twitter, no Facebook e no Instagram. Passeando pelo site, tudo parece bem normal e crível, mas as coisas mudam quando você tenta comprar algum produto – pois a imagem que vemos no site é essa:

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Reparou? O primeiro item à venda não está mais disponível. É um suprimento de Swamp Pop para quem vai passar muito tempo confinado ("long-term shelter supply") e, pela imagem escolhida para ilustrar o item, em um abrigo antinuclear. Mas há outra pista aí:

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O número 4813 – o preço do suprimento do refrigerante – é o mesmo número que aparece na primeira cena do trailer, na jukebox:

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E como se não bastasse tais coincidências, a área de compras é a única parte do site em que eles exibem seu críptico slogan: "Você não pode beber apenas quatro" – que é uma variação do slogan do Slusho!, que falava "você não pode beber apenas seis".

Duvida? O site do Slusho! ainda está no ar.

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O próprio Slusho! é um enorme fio da meada, tendo aparecido em quase todas as produções de J.J. Abrams, de Fringe a Jornada nas Estrelas, sempre discretamente. E não foi algo recente – como vemos por uma foto no Instagram, o link estava disponível há mais de dois anos, talvez apenas sem esse primeiro item que apareceu agora. Só falta alguém descobrir uma Swamp Pop dando pause em alguma cena do bar do castelo Maz Kanata, no Episódio VII de Guerra nas Estrelas. Não duvide… E também não duvide se o termo "cossanguíneo" for alguma referência ao novo filme… Será uma epidemia? Ou será um segundo monstro?

medo

Algo está vindo – e nós temos dois meses pra caçar peças do jogo por aí. Quem vai?

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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