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"Bisavô" de Justin Bieber, Frank Sinatra inventou o popstar

Alexandre Matias

12/12/2015 11h09

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O centenário de Frank Sinatra, comemorado neste sábado, 12 de dezembro, não é apenas motivo para festejar a biografia e a obra deste que é um dos maiores nomes da música popular do século passado. Mas se estamos falando de música popular na segunda década do século vinte e um não há dúvida que é por causa dele. Sua importância e legado projetam uma sombra que confunde-se com a própria história da música popular, do mundo do entrentimento e do mercado fonográfico. Afinal, Frank Sinatra foi o primeiro popstar.

Ele catalisa uma série de transformações que estavam acontecendo na cultura da época. O próprio conceito de música popular – como algo separado da música erudita – começa a se firmar principalmente com a ascensão de uma nova tecnologia surgida no início do século passado: o áudio gravado. Esta novidade não apenas aposenta bandas, orquestras e instrumentos musicais nos lares de todo o mundo como os substituem por rádios, vitrolas, gravadores e coleções de discos. E cria algo típico do século passado, embora pareça algo inato do ser humano: a canção.

A canção de três ou quatro minutos, com introdução, estrofe, refrão, estrofe, refrão, solo, refrão e conclusão foi criada pela limitação técnica desta nova tecnologia, que não permitia o registro de obras mais longas, como óperas, sinfonias e concertos. Foi preciso que artesãos deste novo formato misturassem lições aprendidas nos teatros de revista e nos saraus para consolidar esta fórmula hoje clássica.

Sinatra foi o principal difusor da canção. Primeiro como crooner em orquestras alheias, depois em sua própria carreira solo, chamando atenção para os compositores, para os refrões, para versões diferentes de uma mesma música ao mesmo tempo em que conquistava multidões. Criava o cânone da música popular norte-americana enquanto se tornava mais popular (mais ou menos como fez João Gilberto em seus primeiros discos ao listar Dorival Caymmi, Ary Barroso e seus contemporâneos bossanovistas entre os pioneiros do artesanato da canção, criando uma genealogia da música brasileira).

Foi o primeiro artista consciente de sua própria imagem, que entendeu que ela poderia ser moldada de acordo com as necessidades de sua própria carreira. Começou como ídolo juvenil – e morreu negando que tinha algum envolvimento com o pagamento de garotas para berrar ou desmaiar em seus lançamentos de discos e shows -, foi um dos raros cantores bem sucedidos ao lançar-se como ator (ganhou um Oscar!) e conseguiu fazer a transição da era pop adolescente para a maturidade artística.

Ao lado do produtor Nelson Riddle, ele criou, nos anos 50, o conceito de álbum que consagraria o suporte de vinil de doze polegadas e que girava em 33 rotações e um terço. Antes de Sinatra, o long play – uma novidade no novíssimo mercado fonográfico – era considerado extenso demais para lançar o trabalho de um artista e era dedicado principalmente a coletâneas de gêneros musicais ou de sucessos de um determinado músico ou intérprete. Sinatra e Riddle deitaram-se naquela duração e criaram discos climáticos, em que as canções e seus arranjos criavam uma atmosfera específica para diferentes LPs como Hello Young Lovers, In the Wee Small Hours e Songs for Swingin' Lovers!

O timing de Sinatra também é crucial em sua escalada ao topo do pop – ele se torna um cantor adulto no exato momento em que o rock'n'roll vira mania adolescente e começa a consolidar uma geração de fãs mais velha, com maior poder aquisitivo, que lhe dá condições de explorar melhor suas apresentações ao vivo. Toda aquela preocupação com o negócio da música culmina com a criação da gravadora Reprise em 1960 – e pela primeira vez um artista passava para o outro lado da banca.

Sinatra poderia continuar tranquilo apenas como artista consagrado, mas gostava de desafios – abraçou a bossa nova no final dos anos 60 e antes disso criou o primeiro supergrupo de celebridades, ao consagrar a turma de artistas conhecida como Rat Pack, que conseguiu fazer inclusive que Las Vegas voltasse a ter algum prestígio artístico, em algum ponto dos anos 60.

Pioneiro na música pop, ele deu os primeiros passos transgressores que definem o conceito de popstar – desde a preocupação com a aparência, a necessidade de reinvenção, o cuidado com os próprios negócios. Estes passos seriam dados, em escala global anos depois, por artistas como Elvis Presley, os Beatles, Bob Dylan, Michael Jackson, Prince, Madonna, Bono Vox, Dr. Dre, Lady Gaga, Lana Del Rey, Rihanna, Justin Bieber, Beyoncé e Jay-Z. Todos herdeiros diretos do primeiro popstar.

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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