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E se o maior vilão de "Guerra nas Estrelas" for quem você menos imagina?

Alexandre Matias

09/12/2015 09h33

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Adoro teorias da conspiração não porque elas revelam a verdade que poucos não querem que muitos não saibam, mas principalmente porque elas nos obrigam a exercitar a criatividade sobre a narrativa da realidade para que vejamos como os fatos podem ser manipulados. Por mais objetivos que sejam os acontecimentos – qualquer acontecimento -, eles estão sujeitos a várias interpretações de diferentes pontos de vista. E isso quer dizer não há apenas uma versão certa ou correta de tudo. Dar ouvidos a conspirações (e não simplesmente acatá-las), portanto, seria uma forma de ficar alerta em relação àquilo que deveríamos simplesmente julgamos como resolvido. Paranoia, em muitos casos, é a melhor precaução.

E quando falamos de ficção aí sim fica ainda divertido discorrer sobre realidades paralelas, versões alternativas e significados ocultos da história. Filmes, livros, discos, games e outras obras de arte que podem conter histórias que até mesmo seus autores não estejam a par, pois foram criadas na cabeça de fãs. Uma delas surgiu na internet no mês passado, quando um usuário da rede social Reddit cogitou o fato de que o personagem mais odiado de toda a saga Guerra nas Estrelas talvez não seja apenas um alívio cômico para os filhos de George Lucas. Talvez Jar Jar Binks tivesse um destino bem diferente daquele que vimos nas telas – que poderia ser retomado na nova trilogia. Eis o que o cara escreve:

Aqui tentarei estabelecer que Jar Jar Binks, longe de ser simplesmente o idiota atrapalhado como ele se retrata, é na verdade um altamente talentoso manipulador da Força em termos de habilidade marcial e controle da mente.

Mais do que isso, afirmo que ele não era, como muitos pensam, apenas uma ferramenta política involuntária manipulada por Palpatine – mais do que isso, é mais provável que ele e Palpatine estivessem colaborando desde o início, e é inteiramente possível que Palpatine fosse um subordinado de Binks em ambas trilogias.

E, finalmente, dado ao que disse acima, concluirei com um argumento que diz por que acredito que não apenas seja possível mas também plausível que Jar Jar terá um impacto profundo nos próximos filmes e qual será seu papel.

Então, para começar, vamos estabelecer Jar Jar como um guerreiro habilidoso. Enquanto isso não quer dizer que haja a necessidade de uma conexão com a Força Física, é altamente sugestivo no universo de Guerra nas Estrelas – assim raramente vemos personagens "normais" exibindo acrobacias e façanhas físicas a não ser que você seja um Jedi, um Sith ou ao menos seja sensível à Força.

Pois aqui temos Jar Jar despreocupadamente dando um salto de seis metros

Isso fora de contexto, se você estiver assistindo a um filme Guerra nas Estrelas e ver um personagem casualmente executar este tipo de manobra, faria você acreditar que ele é um Jedi. No contexto de Jar Jar, no entanto, nós não pensamos nisso… porque em todo o resto ele nos convence tão convincentemente que ele não é nada mais do que um bobo inoffensivo com seu diálogo vazio e jeito de leão-covarde.

Ele também nos convence que ele é um bobo desajeitado no meio de uma batalha disputada… mesmo que ele sempre, incrivelmente, seja bem sucedido de forma impressionante. Seja destruindo sozinho um tanque-robô ou deixando abrir um cercado de boomas (bombas de energia) sobre a linha de frente ou acertando com precisão múltiplos inimigos com uma arma pendurada em seu tornozelo (!!!), nós simplesmente rolamos os olhos para cima e atribuímos isso à "sorte" burra.

Será? Obi-Wan já havia nos alertado sobre o contrário disso.


"Pela minha experiência não existe algo como sorte"

Isso é uma das principais razões que nós como público odiamos completamente Jar Jar; ele quebra a quarta parede, ele chacoalha nossa crença em suspensão, porque sabemos que ninguém é realmente tão sortudo assim. Nós fazemos pouco dele como se fosse uma piada clichê – o idiota pateta e bobo que sempre parece salvar o dia sem querer.

Eu digo que, por outro lado, isso é uma fachada deliberada, em parte do próprio persobagem Jar Jar e em parte dos roteiristas e animadores. Como sabemos, os Jedi são inspirados nos Monges Shaolin e há uma disciplina particular do kung fu que parece ter moldado a fisicalidade de Jar Jar propositalmente, permitindo que ele pareça bobo e descoordenado enquanto destrói seus inimigos; ela é chamada de Zui Quan ou o Wushu do Punho Bêbado. Esta disciplina parece imitar um balanço, o aparente ponto fraco aleatório de um bêbado, mas que na verdade o movimento cambaleante e trôpego é feito para que o uso do momento corporal, o engano e a imprevisibilidade engane e confunda seus opositores.

Vamos ver Jar Jar demonstrando seu wushu (os clipes de comparação foram tirados de um vídeo educativo de Zui Quan):

(Se você reduzir a velocidade da imagem acima, perceberá que Jar Jar desvia de um tiro bem no começo. Você também perceberá que ele está misteriosamente consciente do dróide que aparece atrás dele, mesmo que ele não esteja em seu campo de visão e ele não poderia ouvi-lo no barulho da batalha…)

…tá bom, muito bem, mas mesmo que Jar Jar for um mestre secreto do Punho Bêbado, isso não quer dizer que ele saiba usar a Força, certo? Bem, isso ao menos deveria nos deixar suspeitos em relação ao seu personagem. E mostra que suas palhaçadas exageradas e infantis são máscaras que escondem um personagem mais complexo do que nos fazem acreditar. Mas mesmo se você escolher ignorar a aparente mágica presciência de Jar Jar na batalha, acredito que há uma cena em particular que nós o vemos claramente fazendo o uso da Força…

Em A Ameaça Fantasma, quando Jar Jar e os Jedi pegam os droides de surpresa para resgatar a rainha e sua comitiva, Jar Jar "sem querer" não consegue saltar da varanda. Em alguns segundos depois o vemos caindo do outro lado da varanda, que seria impossível sem um salto com a ajuda da Força ou com a Força como algum tipo de impulso. Vamos ver a cena inteira.

(Note que enquanto eles se esgueiram, Jar Jar está tão discretamente dissimulado como seus parceiros Jedi. Interessante.)

Agora, como eu disse, vemos Jar Jar segurar-se na varanda no lado direito, mas então ele cai no chão no lado esquerdo. É fácil ignorar isso como um erro de continuidade ou de enquadramento, suponho… com a exceção de que um dos droides continua a disparar em direção à posição inicial de Jar Jar, mesmo que o vemos caindo em outro lugar!

Veja aqui em câmera lenta.

Vê o droide que vem engatilhando a arma, logo atrás do que Qui-Gon derruba com o sabre? No que ele está atirando lá em cima? E viu sua cabeça virando em direção à nova posição de Jar Jar depois do tiro? Dá para ver outro droide logo atrás acompanhando Jar Jar com sua cabeça, que consegue atirar em sua nova posição. Isso quer dizer que os animadores sabiam muito bem onde o Jar Jar deveria estar – pendurado na varanda sobre o ombro esquerdo de Qui-Gon – e animaram de propósito os droides acompanhando seu inexplicável rápido movimento para outro lugar.

Acho que o que aconteceu aqui, mesmo que não conseguimos ver diretamente, é que Jar Jar dividiu de propósito a atenção com seus inimigos ao segurar na varanda enquanto caía e então (usando a Força) conseguiu impulsionar-se com um movimento para cima e um giro para conseguir cair em um lugar inesperado.

Na verdade já vimos essa manobra uma vez… sendo feita por um Jedi.

Duas vezes, se contarmos quando Obi-Wan faz isso durante o Duelo de Destinos para pegar Maul de surpresa.

Além deste tipo de "sorte" física altamente suspeita, também acredito que nos dão pistas suficientes para que suspeitemos com razão que Jar Jar também é um mestre Jedi de controle da mente.

Considere isto: odiamos a forma como Jar Jar influencia grandes passagens do roteiro pela mesma razão que odiamos sua fisicalidade – ela bagunça com nosso sentido de realismo. Dois Jedis experientes numa missão séria nunca trariam alguém que é só um idiota com eles. Nenhum personagem tão imbecil seria realmente transformado em general. Eles nunca o tornariam um senador. Como alguém como Jar Jar poderia realmente convencer toda a galáxia a abandonar a democracia? Isso é ridículo.

Essas coisas são apenas a versão política de sua "sorte" física. Bobagens sem planejamento e aparentemente cômicas que resultam em resultados impressionantemente positivos. Mas e se não é tão sem planejamento assim e se a meteórica ascensão e inexplicável influência de Jar Jar não for o resultado de coincidências burras e sim fruto do vasto e cuidadoso uso mental da Força?

Os Jedi (e presumivemente os Sith) exibem gestos que denunciam quando eles usam seu Truque Mental para implantar sugestões ou influenciar comportamentos. Por exemplo, eles sempre gesticulam…

…e movem suas mãos de forma pouco sutil na direção de seus alvos.

Vamos ver alguns dos principais momentos da carreira política de Jar Jar:


Jar Jar gesticulando para conseguir sua promoção com o General Bombad.

Jar Jar gesticulando para conseguir sua promoção ao Senado.

Jar Jar usando sua Persuasão da Força enquanto gesticula em direção a todo Senado Galático exigindo a morte da democracia.

Na verdade, se você assistir à segunda trilogia com a ideia de que Jar Jar pode ser um personagem manipulador e sombrio, você começa a perceber como insidiosa e sutil, e eficaz, é sua manipulação, que está em toda cena em que ele está envolvido e como também como ele é super consciente do roteiro de todo o arco.

Exemplos: Jar Jar enganando os Jedi para que eles desçam para baixo superfície do planeta (e achem que eles precisem dele). Jar Jar cuidadosamente fazendo um drama para que eles encontrem Anakin. Jar Jar constantemente rindo pelas costas de Qui-Gon enquanto Anakin está olhando (para que Anakin aprenda a desrespeitar a autoridade Jedi desde cedo). Jar Jar contando para uma criança de oito anos que a rainha é "bem gostosa", ajudando a acender as chamas de uma paixão infantil que seria explorada mais tarde. Eu poderia continuar.

E se você der a mínima atenção aos pontos acima e reconhecer a possibilidade de que Jar Jar talvez não seja um idiota, você é quase forçado a concluir que Jar Jar Binks e Palpatine eram co-conspiradores. Se Jar Jar está fazendo uma cena elaborada para enganar as pessoas, isso quer dizer que ele não é um tolo… e se ele não é um tolo, isso quer dizer que suas ações no Episódio II que facilitam os planos de Palpatine não são as de uma ferramenta involuntária – são as de um parceiro.

Lembre-se que Palpatine e Jar Jar são do mesmo planeta, o que na escala do universo de Guerra nas Estrelas é como crescer juntos como vizinhos de porta. É inteiramente possível que eles se conhecessem bem antes de A Ameaça Fantasma – talvez treinaram juntos ou um treinou o outro. E Naboo é um planeta bem estranho, na verdade: você se lembra daquelas estátuas ancestrais com aquele terceiro olho? Naboo é o tipo de lugar em que um Gungan "exilado" pode encontrar um ou outro holocron Sith.

Mas isso é só especulação. Vamos nos ater ao que conhecemos – o que sabemos é que mesmo depois de Palpatine ser eleito como Chanceler, anos depois de Jar Jar ter sido "enganado" para ajudar a elegê-lo, Palpatine ainda convive com Jar Jar no Episódio III.


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Por quê? Não seria uma fonte constante de constrangimento público? Este é o mesmo personagem que não pode andar cinco metros sem pisar num cocô de Bantha ou sem relinchar como um burro raivoso, não? Qual é sua utilidade agora? Por que ele ainda está ao lado direito da pessoa mais poderosa da galáxia? Será que Jar Jar é que é a pessoa mais poderosa da galáxia??

Tá. Talvez. Uma teoria de conspiração hilária, mas por que George Lucas se incomodaria em criar esse desonesto personagem Gungan com um passado elaboradamente conspirador, mas sem nunca revelar sua natureza?

Eis George Lucas (em um documentário) falando sobre Yoda:

"Yoda na verdade vem de uma tradição de narrativa mitológica – dos contos de fada – em que o herói encontra uma pequena criatura do lado da estrada que parece ser bem insignificante, nada importante, mas que na verdade é um mestre mago ou o próprio mestre…"

Como sabemos, um dos grandes desafio de Lucas com a segunda trilogia foi que ela deveria "rimar" e espelhar a trilogia original em termos de temas gerais de narrativa. Então deveria haver uma criatura aparentemente inocente encontrada do lado da estrada que mais tarde se revela um grande personagem. Temos essa criatura que parece ser descrita precisamente assim… Jar Jar… Mas claro que ele não vira "mestre" de nada.

Eis o que acho que aconteceu: acho que Jar Jar foi pensado originalmente para ser o equivalente de Yoda desta trilogia (e do Lado Sombrio). Do mesmo jeito que Yoda teve sua "grande revelação" quando descobrimos que sua persona boba, geriátrica e cambaleante era só uma máscara, Jar Jar deveria ter sua grande revelação no Episódio II ou III, quando descobrimos que ele não é realmente um bobo inocente e sim um mestre titereiro Sith em conchavo com (ou talvez acima de) Palpatine.

Mas George Lucas amarelou. A reação dos fãs a Jar Jar foi tão amarga que este aspecto da trilogia foi abandonado. Era muito arriscado… se Jar Jar era tão desagradável, talvez potencialmente arruinaria o legado de Guerra nas Estrelas quando fosse implicado que ele seria o grande vilão de toda a saga. Então fingiram que ele era só uma tentativa fracassada de alívio cômico, em vez disso.

É por isso que o Conde Dokan parece um personagem tão vazio e inadequado, sem história original, ele foi tão rapidamente escrito para tapar os buracos do roteiro quando o vilão Jar Jar foi reescrito. Yoda deveria duelar contra seu literal inimigo no lado sombrio e equivalente mitológico no final de Ataque dos Clones: não o chato Conde Dokan, mas o mestre Sith Jar Jar. E Binks deveria escapar, não apenas deste duelo mas também de toda a trilogia… de forma que ele poderia ainda fazer sua sombra ser sentida também na trilogia original. Se você rever os filmes originais sabendo que o Imperador não era necessariamente o grande vilão por trás de tudo… Jar Jar ainda está lá fora, em algum lugar. Seria meio que brilhante.

Mas acredito que seja provável que os escritores da nova trilogia revivam esta ideia. A maior parte das pessoas parece pensar que a Disney deseja se distanciar ou de alguma forma se desassociar dos prequels, mas isso não faz nenhum sentido econômico ou em termos de marketing. Há muito mais propriedade intelectual a ser capitalizada nos filmes mais recentes do que na trilogia original, sem contar o filme e a série das Guerras Clônicas. Bilhões de dólares em brinquedos, imagens, personagens, jogos, brinquedos de parque de diversão etc. todos icônicos para uma geração mais nova. A Disney não iria fingir que metade dos 4 bilhões de dólares de propriedade intelectual que eles compraram simplesmente não merece ser reconhecida.

(E mesmo assim, temos essas cenas de bastidores do Episódio VII que claramente mostra este imaginário dos prequels sendo reutilizado. E muitas bandeiras do castelo de Maz no trailer são de A Ameaça Fantasma.)

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Não, parece que um dos objetivos primordiais deles será reforçar e finalmente tentar redimir os prequels aos olhos dos fãs. Elevá-los e melhorá-los retroativamente, o melhor possível. E como você faz isso?

Jar Jar Binks sem dúvida se tornou a cara de tudo que estava "errado" nos prequels – ele era muito bobo, muito inacreditável, aparentemente inútil. Se você conseguir de alguma forma mudar a natureza de Jar Jar de um idiota constrangedor a um vilão de cair o queixo, de repente toda a trilogia pode ser vista sob uma nova luz, porque ela se tornou a armação para a mais impressionante revelação da história do cinema:

Jar Jar Binks é o Líder Supremo Snoke!

O que eu acho disso? Acho divertido demais que se cogite essa possibilidade. Mas prefiro torcer para não ver a cara de Jar Jar no Episódio VII. Se bem que o J.J. Abrams cogitou que talvez veríamos algum aceno à sua morte neste próximo filme, portanto… A sorte está lançada. E como não existe isso de sorte…

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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