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Rock in Rio Las Vegas: certinho e previsível

Alexandre Matias

16/05/2015 09h34

rockinrio

A sexta-feira do evento começou com um tombo de Ivete Sangalo e terminou com a apoteose pop de Taylor Swift

Numa sexta-feira praticamente dedicada ao pop feminino da segunda década deste século, a primeira noite do segundo fim de semana do Rock in Rio Las Vegas foi tão certinha quanto previsível. Era como se o time de artistas escolhidos para este primeiro dia fosse um mero reflexo da ótima organização do festival brasileiro, tão eficaz quanto previsível. As únicas exceções neste quesito foram as apresentações de Ivete Sangalo (segunda artista a tocar no palco principal) e de Taylor Swift (que encerrou a noite), por motivos diametralmente opostos, e a maciça presença de brasileiros no evento.

Os portões foram abertos pontualmente às três da tarde (sete da noite no Brasil) e mesmo antes da Cidade do Rock norte-americana começar a encher já era fácil reconhecer os brasileiros na área pelas camisetas da seleção brasileira ou por bandeiras do país usadas como capas, por sobre os ombros. Todos eles logo se reuniram para assistir ao show de Ivete Sangalo, única artista brasileira a tocar no palco principal do festival.

O tombo que Ivete tomou quase no início do show parecia prenunciar uma apresentação tensa, mas ela não deixou-se abalar. Mas ela ironizou a queda e fez um show apenas correto, que mais pecava pela indecisão da brasileira entre ser uma artista pop internacional e o nome mais popular da música baiana atual do que pela apresentação em si. Taylor Swift, por sua vez, foi irrepreensível. Tudo em seu show funciona perfeitamente: do jogo de cena com o público à escala gigantesca da superprodução.

Leia como foi o show de Ivete Sangalo no Rock in Rio Las Vegas

Além das duas, a noite teve mais pontos altos do que baixos. A sueca Tove Lo, que tocou no palco secundário antes que Ivete, juntou mais gente que a brasileira e, embora menos desenvolta, empolgou a audiência com seus primeiros sucessos, "Not on Drugs", "The Way I Am" e "Time Bomb". Já a inglesa Charli XCX, que tocou no mesmo palco em seguida, provou ser uma popstar em ascensão. Suas qualidades são tímidas (voz limitada, a atitude rock mesmo tocando dance music e uma banda quase cenográfica), mas ela domina a plateia com segurança e além dos próprios sucessos ("Boom Clap", "Break the Rules" e "Superlove"), ainda tem a vantagem de ter sido coadjuvante de dois hits recentes, "I Love It" da dupla sueca Icona Pop e "Fancy" da rapper australiana Iggy Azalea, que aproveitou para desfilar em versões autorais.

Echosmith

A quase onipresença feminina continuou no palco principal, com os irmãos californianos do Echosmith, cuja força vem da doce presença da caçula e única mulher da família, Sydney Sierota. Com dezoito anos recém-completos, a vocalista hipnotiza o público com seu excesso de fofura, que, embora não pareça artificial, carrega na dose. Mesmo para música pop, banda é inofensiva demais e pode melhorar à medida que seus integrantes amadurecem (o mais velho, o guitarrista Jamie, nasceu em 1993 e o mais novo, o baterista Graham, é de 1999!). Mas não dá para não notar o potencial que sua vocalista tem pela frente.

De volta ao palco secundário, a inglesa Jessie J conseguia juntar o pior de vários mundos. Mesmo com alguns hits cantados na ponta de língua pelo público (como "Price Tag", "Masterpiece" e a única realmente boa, "Bang Bang"), ela sofria de déficit de atenção e compensava isso usando apenas uma camiseta transparente escrito "Las Vegas" (que tirou no meio do show) sobre um top e um shortinho. Pesam contra a cantora acrobacias gestuais, corporais e vocais, provocando vários exibicionismos desnecessários, especialmente em relação ao seu alcance de voz, e uma sensação de que ela aposta suas fichas em várias soluções musicais diferentes. Assim, não define um rumo próprio e o show dá nervoso de tão esquizofrênico.

EdSheeran

O inglês Ed Sheeran, sozinho no palco principal, vai justamente na direção contrária. Sem banda, ele apresenta-se apenas com um violão e pedais de efeito que gravam trechos que ele vai tocando, colocando-os em loop. E assim ele consegue fazer duetos consigo mesmo, solar seu instrumento sobre bases gravadas segundos antes e tocar percussão no corpo do violão enquanto podemos ouvir os acordes. No repertório, além de seus próprios hits ("Lego House", "A Team" e a indefectível "Sing"), ele também incorpora outros hits de artistas diferentes ("Superstition" de Stevie Wonder, "No Diggity" do grupo de R&B Blackstreet, "Ain't No Sunshine" do soulman Bill Withers, "In da Club" do rapper 50 Cent e a segunda vez que "Fancy", de Iggy Azalea, foi tocada na noite) e reduz tudo ao seu formato enxuto e eficaz – que por vezes torna-se repetitivo.

Taylor Swift encerrou a noite em grande estilo. Seu carisma pode ser cirurgicamente calculado, mas é impecável. Os olhares para a câmera que a mostrava no telão, o jogo de cena no palco entre músicos e bailarinos, os momentos dedicados à demonstrações que ela é uma artista de verdade e não apenas um produto fabricado no laboratório de uma grande gravadora, como um olhar superficial pode confundir – tudo no show da norte-americana conspira para momentos de intimidade com o público, mesmo quando ela é literalmente elevada em altos pedestais.

Leia como foi o show de Taylor Swift no Rock in Rio Las Vegas

Além dos shows, a Cidade do Rock norte-americana, montada no terreno para eventos do complexo de hotéis e cassinos MGM, funcionava perfeitamente. As indefectíveis tirolesa e roda gigante – marcos obrigatórios para quase todos os festivais de música pop no mundo hoje – reforçavam o aspecto de parque de diversões do evento. Um dos pontos fracos foi a tenda de música eletrônica, um palco em forma de aranha que só foi ver um público com mais de 50 pessoas quando a noite caiu. A homenagem que o festival fez ao recém-falecido B.B. King também foi pífia – uma vinheta de poucos segundos no telão entre alguns comerciais.

Havia poucas filas para tudo, os banheiros estavam sempre limpos e a boa variedade de opções de alimentação só esbarrava no desconforto dos preços – pagava-se 9 dólares por um chopp, cinco por um refrigerante e uma mera coxinha brasileira era vendida por nada menos que oito doletas. O que, ironicamente, parece ser uma metáfora para o Rock in Rio Las Vegas.

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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