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O DJ Kid Koala, um malabarista dos vinis, está entre nós

Alexandre Matias

08/05/2015 18h21

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O canadense Eric San é um dos principais representantes de uma das vertentes mais radicais e divertidas do formato DJ – o chamado "turntablism", que usa o nome do tocadiscos em inglês ("turntable") para tornar-se praticamente uma técnica que transforma o aparelho em instrumento musical. Os turntablistas não se limitam simplesmente a emendar músicas ou a criar novas versões usando músicas alheias, mas manipulam o disco de forma quase circense, fazendo manobras e movimentos com as mãos sobre os discos que fazem os scratches criar novas melodias, harmonias e ritmos.

Kid Koala – como Eric é mais conhecido – está pelo menos um degrau acima da média em relação a seus pares tocadores de pickups. Primeiro por discotecar com três vitrolas ao mesmo tempo e também por fazer isso sem os fones – ele acerta o trecho do vinil que quer tocar apenas no olho, consertando na hora – e sempre com malabarismos impressionantes – caso falhe, o que é muito raro. Além disso, usa discos antigos para compor novas canções e tem toda uma discografia de músicas próprias, criadas a partir da manipulação artesanal de discos. Ele quase não usa computadores na composição, apenas no processo de masterização final.

Ele vem pela quarta vez ao Brasil para a festa de aniversário do site Só Pedrada Musical, do DJ brasileiro Daniel Tanempi, que completa nove anos com a apresentação de Koala ao lado de outros DJs brasileiros, com o sagaz Pedro Dubstrong, o próprio Tanenpi, ente outros. Os shows acontecem no Superloft (Rua Cardeal Arcoverde, 2926, Pinheiros, São Paulo, ingressos a R$ 60) e pude conversar pelo telefone com o DJ antes de ele embarcar para o Brasil. Falamos sobre a volta do vinil, o ato de ouvir música na era digital e o que ele está ouvindo atualmente.

Espalhei pelo post alguns vídeos que o mostram em ação. Dispa-se dos seus preconceitos musicais e deixe-se levar por essas viagens sonoras que ele nos conduz.

Como você tem visto essa renascença do disco de vinil?
Tocar um disco de vinil é uma cerimônia. Você deixa a agulha cair, tem que parar o que está fazendo para ouvir o disco, precisa voltar para o aparelho para trocar de lado e repete esse ato no máximo três vezes, que acho que é a quantidade de vezes que as pessoas escutam um mesmo disco (ri).
Dá para supor que se você compra um disco de vinil, você vai ouvir todas as músicas de um lado e do outro na ordem. Eu gosto de artistas que pensam nessa seleção, porque há uma narrativa musical que pode ser perdida se você simplesmente pula para as músicas que quer. É como se você estivesse assistindo um filme e saísse no meio para voltar só em determinada cena e assim perde toda a história principal.
Cresci comprando discos e acho ótimo que as pessoas estão gostando de vinil de novo. Mas não sei se é só uma tendência ou se as pessoas querem dar uma desacelerada em suas vidas e ter menos opções de oferta de música (ri). Porque quando você compra um vinil, está dizendo para você mesmo que vai ouvir um mesmo artista pelos próximos 40 minutos.

Mas você pode ter narrativas musicais mesmo no formato digital. O formato álbum no fim não diz respeito a um suporte físico, mas uma maneira de compor música, como uma sinfonia.
Concordo, mas acho que há regras pra cortar o vinil. Por exemplo, a fidelidade do LP é mais alta no lado de fora do disco e no lado de dentro a fidelidade é mais baixa. Aprendi isso porque tenho uma máquina de vinil no meu estúdio agora. Você não pode colocar muito grave na última faixa de um lado porque o som vai ficar distorcido ou a agulha pode pular. Por isso é muito comum ouvir discos que tenham uma canção mais tranquila no final do lado. Eu achava que era uma forma legal de terminar um disco, mas na prática é pura física. Agora na era digital você pode terminar um disco com a música mais alta de todas.

E você ouve música em outros formatos além do vinil?
Tenho CDs e vinis, tem muitas coisas que você não consegue em vinil, outras só saíram de forma digital. Eu mesmo quando quero tocar algumas coisas que só tenho em formato digital prenso uma versão em vinil para tocar (ri). Mas isso é porque eu amo o som do vinil, gosto da estática, dos ruídos, do calor. É só uma escolha. Tem gente que prefere ouvir piano, tem gente que prefere ouvir sintetizadores. São instrumentos diferentes que em alguns casos podem até soar bem parecidos, mas nunca idênticos, pois são completamente diferentes. Tem uma pequena diferença que sinto falta se eu fico só no som digital.

Você acha que pode haver uma renascença do CD como acontece com o vinil, das pessoas procurarem por CDs raros ou por um tipo de som que só existia naquele formato…
Com certeza! É muito natural na música que você se sinta nostálgico pela época em que você começou a gostar de música. Eu tinha 12, 13 anos quando gastava todo meu dinheiro – e depois todo o meu salário – comprando discos de vinil e isso se tornou parte da minha vida.
Não nego que ter 10 milhões de músicas num celular é incrível, mas aqueles discos que você realmente ama e que você ouviu centena de vezes em sua vida são especiais pra você e se você ouviu aquele disco pela primeira vez numa fita cassete é provável que esteja procurando uma versão em cassete daquele disco. Com certeza há o elemento de nostalgia. E também que é muito pouco conveniente comprar discos físicos.
Quando falo com meus pais sobre como eles ouviam discos, eles me contam que era quase como se fosse um encontro: meu pai perguntava para minha mãe se ela não queria ouvir um disco – ele tinha vários compactos em 45 rotações – e eles compartilhavam aquele momento juntos, ouvindo um único lado de um compacto num tocadiscos vagabundo. Acho que compartilhar o tempo junto ouvindo músicas é uma das principais coisas.
Hoje em dia as pessoas também fazem isso, mas através de seus telefones, compartilhando links, mas ideia de estar no mesmo espaço que a música e comprar um formato que lhe faça ter um compromisso com aquela música é crucial: seja ao assistir a um show ou comprando uma cópia em vinil para ouvir em casa sentado em sua poltrona confortável ou um CD que você vai ouvir enquanto dirige seu carro. Não importa a situação que você goste de ouvir música, ela vai ressoar em você por toda sua vida.

A volta do vinil também está ligada a uma tentativa de desacelerar a vida, você não acha? Gosto de pensar na ideia de parar para ouvir um disco, faço isso aqui em casa…
Sim. Não é a mesma coisa, mas isso também está relacionado às pessoas que gostam de sair pra correr ou fazer ioga, sabe? É uma forma de tentar desplugar-se do caos e tentar ficar parado e viver a intenção daquele momento.
A música sempre funciona como uma forma de levar as pessoas de volta a um lugar familiar. Pra mim, por exemplo, é como funciona. Se eu tenho um dia muito louco e preciso relaxar, sei exatamente que discos procurar. E isso é uma das coisas mais legais da música. Você escolhe isso: depois do trabalho, deixa a agulha cair sobre um disco, abre uma cerveja, coloca uma comida na churrasqueira e chama os amigos pra viver um pouco, sabe? Adoro isso, sabe, o fato que a música te obriga a não cair nessa coisa de multitarefas. O que é irônico porque eu toco três com tocadiscos ao mesmo tempo, o que é uma espécie de multitarefa do mesmo jeito. Mas quando eu toco ao vivo é bem diferente de quando eu escuto discos em casa.

Então você não é um xiita do vinil.
Temos sorte de vivermos numa época em que há essa conveniência de ter diferentes formas de se ouvir música. Como você, eu também fiz minha sala de estar um lugar em que temos um equipamento de som de alta fidelidade, que tem vinis, CDs e o que mais quisermos ligarmos nele. Mas depende do contexto. Gosto de ouvir música quando vou deixar meus filhos na escola. É um passeio de carro bem cedo e é ótimo para ouvir mixagens, checar coisas que estou fazendo no estúdio… E também porque é um lugar ótimo para se ouvir música. E ali eu coloco os CDs. Mas se eu vou correr, eu não levo um tocadiscos e saio correndo, você só precisa de um iPod ou uma coisa bem pequena que só precisa ser jogada no bolso.
Toda atividade tem um sistema de som perfeito pra ela. Além dos fones de ouvido. Às vezes essa experiência é totalmente solitária. Ouvir músicas em fones de ouvido num trem ou num avião é algo que eu faço muito, principalmente porque viajo muito. Não dá pra ficar tocando músicas pra todo mundo no aeroporto, né… Eu separo o que quero ouvir naquela viagem e viajo ouvindo aqueles discos.

O que você separou para ouvir nessa viagem para o Brasil?
Agora mesmo eu estou ouvindo um cantor chamado Benji Hughes, que fez um disco em 2008 que eu amo (A Love Extreme): metade do disco são músicas de festa e a outra metade são como músicas de John Lennon. Ele gravou quatro discos e os lançou no mês passado. Ele lançou os discos pela gravadora dele e eu acabei de pegá-los, então já os coloquei no meu celular e vou ouvi-los durante toda essa viagem. É aquilo que eu estava falando da narrativa de um disco. Adoro o fato de ele ter esperado oito anos para lançar algo novo e de repente vem com quatro discos. É como se ele te obrigasse a se atualizar sobre ele.

E o que podemos esperar da sua apresentação aqui no Brasil?
Meu sets ao vivo são uma combinação de canções do meu repertório misturadas com alguns discos que eu tenho há anos e coisas que eu recebi pelo correio literalmente hoje e que quero testar pra saber como soam. Recebi umas coisas de Londres hoje e quero ver como elas se comportam no set. Tem sido um longo inverno aqui e tenho passado muito tempo no estúdio, então estou esperando me divertir um pouco, curtir o Brasil.

E você vai conseguir comprar discos por aqui?
Tomara que eu tenha tempo. Sei que a viagem va ter muitos trechos de carro, mas eu vou dar um jeito de fazer a van parar em algum mercado de pulgas local (ri).

Sobre o Autor

Alexandre Matias cobre cultura, comportamento e tecnologia há mais de duas décadas e sua produção está centralizada no site Trabalho Sujo (www.trabalhosujo.com.br), desde 1995 (@trabalhosujo nas rede sociais). É curador de música do Centro Cultural São Paulo e do Centro da Terra, do ciclo de debates Spotify Talks, colunista da revista Caros Amigos, e produtor da festa Noites Trabalho Sujo.

Sobre o Blog

A cultura do século 21 é muito mais ampla que a cultura pop, a vida digital ou o mercado de massas. Inclui comportamento, hypes, ciência, nostalgia e tecnologia traduzidos diariamente em livros, discos, sites, revistas, blogs, HQs, séries, filmes e programas de TV. Um lugar para discussões aprofundadas, paralelos entre diferentes áreas e velhos assuntos à tona, tudo ao mesmo tempo.

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